Público e privado

Houve uma saraivada de críticas ao texto Biblioteca pública, uso privado. O autor foi acusado de ser favorável à exploração de trabalho carcerário, de aderir à onda punitiva, de não atentar para as questões principais que envolvem a sociedade e gastar tempo com temas secundários, etc. Até aventou-se a hipótese de que ele defende a pena morte. Pasmei! Fiquei mesmo a pensar se sou o que afirmam.

Quem escreve deve esperar críticas e se manter aberto para aprender. Isto pressupõe o respeito e tolerância. O que não esperava era o tipo de críticas expressadas por alguns leitores. Alguns argumentos até me alertaram para questões que não foram objetos da minha reflexão.* Tinha o mero objetivo de alertar para a necessidade de se respeitar o bem público. Será isto supérfluo? Significa que os livros são mais importantes do que as pessoas? A afirmação de “X” não implica necessariamente negar “Y” ou vice-versa. Negar “A” não significa que se afirme “B”. A realidade tem nuances que as dicotomias e os julgamentos maniqueístas desconsideram.

Herdamos a cultura política que concebe o público para uso privado, que aposta na tutela do Estado ou mesmo aceita seu caráter autoritário, desde que ele atenda interesses almejados. Nesta lógica, os recursos públicos mantidos pelo esforço da sociedade viram patrimônio dos que detém o poder de distribuí-los. Os eleitores, por exemplo, esperam que os políticos atendam interesses privados, numa relação assistencialista. Os políticos distribuem benesses e constroem a imagem de amigos do povo. Direitos sociais são transformados em favores. O que deveria ser obrigação do poder público é tido como coisa de político bonzinho. Os valores se invertem. A sociedade gasta milhões para manter o sistema político. Mas os políticos, em geral, não se veem como servidores, empregados da nação, mas sim como privilegiados. Consomem os recursos públicos, distribuem migalhas e ainda se passam por protetores dos pobres. À relação desvirtuada entre representante e representado, caracteristicamente assistencialista e tutelar, soma-se o nepotismo e o empreguismo. O dinheiro e os recursos públicos são “socializados” entre poucos. Abocanham o patrimônio público de forma privada.

Muitos condenam tais práticas, mas consideram normal comportamentos semelhantes no nível micro e cotidiano. São pequenos “pecados”. A cultura é a mesma. Na medida em que uso o bem público como se fosse meu, aproprio-me privadamente. Nesta relação não me responsabilizo pelo que é público, apenas uso. É a velha história de exigir ética na política, mas não agir eticamente no dia-a-dia. No fundo, trata-se de uma relação verticalizada com o Estado, de uma concepção estatista que produziu fenômenos bem conhecidos no século XX; muitos dos que se auto-proclamavam “comunistas” se apropriaram do Estado. Público e estatal são diferentes, embora sejam tomados como semelhantes.

O objetivo, portanto, foi pensar a relação dos indivíduos e da sociedade com o que denominamos de caráter público. O tema não era o trabalho dos presos. Estes aparecem no final para demonstrar o paradoxo que vivemos. “Paradoxalmente”, escrevi, são os que prisioneiros quem cuidam dos livros, restaurando-os. Será necessário explicar o que é paradoxo? Sugiro a consulta ao Aurélio

Não entrei no mérito do caráter do trabalho dos presos, não era essa a questão em foco. Informei o link para a matéria do jornal com o objetivo de oferecer mais informações aos leitores. Em suma, até concordo com algumas das críticas. Mas se os tiros foram certeiros, atingiram o alvo errado.
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* Em post anterior, Sobre o blog, observei a necessidade de se ater ao tema no espaço estipulado. Aliás, uma boa redação pressupõe definição e enfoque temático.
** Fonte da imagem: Folha de S. Paulo, 14.06.2007.

16 comentários sobre “Público e privado

  1. Caro OzaíHouve muito exagero nos comentários dos leitores, mas como um deles disse, o exemplo não foi bom.Você tem razão, o Brasil é vítima da Síndrome de Gerson, sempre quer levar vantagem em tudo, acha-se que o público é privado e que o que o deputado ou senador faz é errado, mas burlar o Imposto de Renda é o jeitinho brasileiro.Uma pergunta se nossos presos trabalhassem será que teríamos PCC e demais organizações criminosas no Brasil?Um abraço,Roberto Saraiva Romera

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  2. “CÃO – CONHE (CIMENTO)”O cão conhece seu cimento, mas seu desejo é andar livre no chão.Sua coleira já é tão velha que as marcas em seu pescoço passaram a fazer parte de sua indumentária.Seu pêlo claro não toma chuva… … somente o escuro obscurode seu esconderijo chamado “casa” sem janela.Seu olhar desconhece a simplicidade do Vôo vvvvv…Das abelhasque apesar de pequenas comem seu próprio alimento;não precisam de ossos ou rações porções servidas pelo seu dono.Sua corrente leva-o até o pote d’água, mas não permite que ele cave sua própria cisterna;Engraçado (hilariante paradigma)é que o mesmo cão que vigia o pão de cada dia do ladrão, não pode sequer ser feroz contrao seu dono atroz.Esse….. nem limpa suas fezes, mas em troca exige que seu latido seja o bramido de um leão que nem sequer por um minuto pode exercer a sua capacidade deser e ter simplesmente o conhecimento do viverde um cão.CãocimentoCãoCá RexCáConhecimento mesmo sem a exposição da realidade do cão.(Aline Carla Rodrigues)Há alguns anos fui uma presa em cadeias mentais; alguns comentários disseram que não perguntaram aos presidiários o que achavam da circunstância em questão, por isso, resolvi expor algo que escrevi em 2003/2004,infelizmente nada mudou e quando alguém se predispõe ajudar, passa também a rosnar ela indignação da miséria humana que não vê além de seu próprio olhar e esquece de enxergar a menina dos olhos dos outros.Prossiga Ozaí!

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  3. “CÃO – CONHE (CIMENTO)”O cão conhece seu cimento, mas seu desejo é andar livre no chão.Sua coleira já é tão velha que as marcas em seu pescoço passaram a fazer parte de sua indumentária.Seu pêlo claro não toma chuva… … somente o escuro obscurode seu esconderijo chamado “casa”sem janela. Seu olhar desconhece a simplicidade do Vôo vvvvv…Das abelhasque apesar de pequenas comem seu próprio alimento;não precisam de ossos ou rações; porções servidas pelo seu dono.Sua corrente leva-o até o pote d’água, mas não permite que ele cave sua própria cisterna.Engraçado (hilariante paradigma)é que o mesmo cão que vigia o pão de cada dia do “ladrão”, não pode sequer ser feroz contrao seu dono atroz.Esse….. nem limpa suas fezes, mas em troca exige que seu latido seja o bramido de um leão que nem sequer por um minuto pode exercer a sua capacidade de ser e ter simplesmente o conhecimento do viverde um cão.Cãocimento…Cão…Cá Rex!Cá!Conhecimento mesmo sem a exposição do cão.(Aline Carla Rodrigues)É preciso ser torturado ou preso para sentir o sistema e só depois se expor;por isso, exponho-me agora. Prossiga Ozaí!

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  4. Maria Newnum disse:Ozaí, acho que minha vista não alcançou a profundidade interpretativa de alguns de seus leitores/as.Minha vista basicamente alcançou dois pontos:1 – Uma crítica ao descaso com os bens públicos; 2 – Uma solução atenuante através de “Um convênio entre a UEM e a Penitenciaria Estadual de Maringá … A UEM treina os presos para o serviço. Estes, em troca, recebem uma pequena quantia a título de pecúlio e têm a pena reduzida.*”.- Eu não o vi defendendo a exploração dos presos. Entendi sim que eles estão aprendendo uma profissão e ainda ganhando um pecúlio mais redução da pena. Perguntos: Será que eles preferem ficar vegetando nas celas superlotadas?Eles não são explorados; explorados somos nós e toda sociedade brasileira que além de sofrer com as ações dos criminosos tem que bancar os custos altissimos para manter essas verdadeiras fábricas de bandidagem.Toda manifestações é válida; toda hegemonia é burra e toda falta de foco é atraso e perda de tempo.Maria Newnum – que não é amiga, nem inimiga; nem aluna do autor.

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  5. Prezados,Como é árduo lidar com o argumento falso! O indivíduo lê e não entende, compreende mas corrompe o significado do texto. A interação objetiva é comprometida pela militância. Nesse caso só se enxerga o que se quer; só faz sentido o que se quer que faça sentido. O problema da esquerda é a incompetência; simplesmente a incompetência, a mais absoluta incompetência. Incompetência para governar, incompetência para se manter à frente na História, incompetência para argumentar, incompetência para atrair simpatizantes. Valfrido, José Augusto e Eduardo enganam-se por julgarem à “direita” um texto à “esquerda”. Todavia, Vinícius apresenta uma visão extremamente pobre e limitada da Universidade – nesse caso mais parece projetar convições pessoais do que refletir a realidade da Universidade. O problema da esquerda, repito, é a incompetência. Basta ter uma oportunidade para demonstrar!João – UEM

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  6. Mas que imbecilidade essa a da Marta em dizer que os presos so fazem o trabalho se quiserem. Eles são obrigados constitucionalmente e socialmente a aceitar as condições precárias que lhe são oferecidas. No caso da UEM ela está agindo de forma criminosa pq a lei determina que se pague ao preso ao menos dois terços do salário mínimo, o que daria 220, e nao os ilegais 40 reais. Quanta ignorância meu deus!!! Que tal se informar mais sobre as coisas antes de escrever? Ozai, como vc nao menciona essa situação criminosa da UEM? Ou vc se deixa iludir por qualquer publicação, inclusive uma mal feita pela própria UEM?

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  7. Caro Ozaí, me perturba o fato de vc querer disciplinar os comentários a seu blog. Li os comentários a seu texto e nao tive a mesma interpretação que vc, outros também nao tiveram – a nao ser seus amigos professores e alguns alunos (pq será?). Como dono do Blog vc tem o poder de selecionar os comentários a serem publicados. Talvez seja melhor nao publicar os comentários de crítica, ja que lhe incomodou tanto. É melhor não publicar os escritos indesejados do que, autoritariamente, os julgar como fruto de má interpretação. Da minha parte acho que vc peca por ter uma visão moralista e nao bem definida de público. Vc também tira conclusões que nao se sabe de onde veio. Não consigo estabelecer correspondência entre os três primeiros e o quarto parágrafo desse seu texto. Ainda, afirmar o respeito por uma biblioteca e/ou pelos livros nao é desculpa para desejar a cadeia para outros por qualquer bagatela. Quero ver vc dizer que nao apontou o presidio como punição para o que vc chama – inconstitucionalemnte- de delito. Sinto por vê-lo incapaz de aprender com o próprio erro. De que serve esse espaço aberto se nao é possivel aprender com as críticas? Quando, ao contrário, as criticas servem somente para se encastelar mais forte ainda no proprio erro? No fundo, vc esta apenas querendo dizer que os que o criticaram são, muito internamente, desejosos de se apossarem privadamente de esferas públicas (seja lá o que vc entenda por isso). É o mesmo que dizer que todos que são contra a criminalização da maconha é pq são maconheiros; que os que desejam a legalização do aborto são uns prevaricadores etc. É a opinião que a gente vê em certos meios conservadores. Não sei como dizer. É preciso criar um termo que designe uma pessoa que vindo da esquerda foi para a direita e que, por isso, precisa muito rapidamente explicitar sua adesão à perspectiva conservadora. Abraço,

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  8. Gostei do comentário do Marcos Cantel, acho que se vc queria discutir apropriação privada de algo público, pegou um mau exemplo. Que tal a distribuição dos ministérios, secretarias, comissões parlamentares etc? Mas a perspectiva punitica foi realmente péssima! Debaixo desse bla, bla, bla todo, a questão é a seguinte: A universidade nao é publica. A universidade se divide entre professores, funcionários e alunos. Os professores é que mandam na universidade, que possuem controle sobre as estruturas etc. Os alunos são subsumidos aos professores – com forte hierarquização-, muitas vezes compondo vastas redes de clientelas, onde há, inclusive, exploração de trabalho gratuito, casos de favores sexuais etc. Os funcionários, o terceiro estado, são os servos que dão alicerce material à toda a estrutura. A Universidade é uma instituição sustentada pelo dinheiro arrecadado a partir da produção dos trabalhadores e que é controlada por um grupo minúsculo de professores administradores e pelos professores em geral. Esses professores exploram o trabalho de outros tantos funcionários que limpam as salas, lavam os banheiros, varrem o chão, organizam os livros etc, de forma que podem manter uma posição de destaque e administrar os alunos. Os alunos se submetem pq querem se formar, outros, que querem ascender, prestam serviços e favores, se inserem nas redes de clientelas. Como os professores administram autarquicamente a universidade, fazem dela objeto de quem oferecer maior valor. Como as empresas e os governantes é que possuem mais dinheiro, os professores tem sistematicamente submetido a universidade ao interesse destes. Esse papo de público e de sociedade é coisa de bobo. O que é público? o que é sociedade? o autor peca pela falta de definições. Chamar a universidade de pública? Pública para quem?

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  9. Enfim, cuidado quando se é apoiado por gente que diz que o pior livro é mais valioso que o melhor dos prisioneiros; que acha natural a exploração de trabalho carcerário à 40 reais por mês, que se inspira na politica de tolerância zero estadunidense e a pretende implantada na universidade brasileira. Olha, eu gostei muito do comentário excrito pelo Marcos Cantel. Entendo sua preocupação com a biblioteca pública, mas ao postular a punição carcerária para pessoas que rabisquem livros (e se forem os proprios trabalhadores da biblioteca, numa forma de protesto?)vc jogou água no moinho da classe média fascista. Seu texto ficou ótimo para ser publicado na revista VEJA, infelizmente. Outra: vc deve parabenizar seu amigo Walter-ego. Dessa vez, vc deixou-se curvar. Uma pena também.

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  10. Cuidado Ozaí, cuidado! Toma cuidado quando afirmamos que os que discordaram de nós é pq nao nos compreenderam; quando, ineditamente, escrevemos textos para rebater a comentários so pq desejamos salvar o nosso ego; quando somos elogiados por nossos alunos, amigos e professores colegas de trabalho. O clientelismo é uma grande praga social e aquele que se rodeia de elogios pode perder a lucidez, o rei está nú! Vc recebeu comentários extremamente fascistas em apoio a seu texto, mas nao os combateu, enquanto desfere críticas aos comentários de linhagem à esquerda. Não ví ninguém defendendo o comunismo, será que vc nao saber ler? interpretar? ou precisa consultar o aurélio? Ou será o caso de assumir-se como um novo membro da direita (Sem todas as meias voltas que um antigo mebro da esquerda precisa fazer)?

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  11. Maria Newnum disse…Caro Professor,A primeira coisa que tenho a lhe dizer é que depois de 3 anos escrevendo em jornais e blogs já não me surpreendo; especialmente em blog onde muitas pessoas inclusive se manifestam anonimamente. Mas é preciso considerar a dificuldade de interpretação de texto que paira entre nós e da nossa falta de educação. E não é por conta da limitação da escolas pública.Nos falta consciência cidadã, o público, tudo que é público é considerada coisa de ninguém.Nos Estados Unidos a educação é pública só para as primeiras seres. Os livros são emprestados e não se escreve neles só nos cadernos é quem fizer qualquer estrago é multado; Os casos de atentado contra o patrimônio é público é considerado crime federal e dá cana mesmo.Concordo com a Daisy, é preciso estender as discuções sobre esse tema; quem sabe os responsáveis pelos cumprimentos das leis, se lembrem que elas existem.Continue firme; tenho certeza que ao menos seus alunos e alunas já o admiram por suas ídéias e posições. Um abraço,Maria Newnum

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  12. Ozaí, Eu raramente leio os comentários de leitores, li teu artigo anterior e o achei perfeito, até porque poderíamos se quiséssemos adaptá-lo a outras áreas públicas que são utilizadas como privadas.O que lamentei foi ver que tiveste que explicar, pois alguns leitores tem dificuldades de interpretar o que lêem e, extrapolaram o tema analisado pelo teu texto. Tenha paciência… “eles não sabem o que dizem”, infelizmente.

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  13. Ozaí: ninguém lembrou-se de perguntar às pessoas que estão presas se elas gostam deste trabalho. Todos clamam seu quinhão, mas se esquecem que falam de outros….Pelo que eu sei os presos gostam deste trabalho, pois saem da rotina grotesca, rude e fria do cárcere. Depois eles só fazem se quiserem.

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  14. Muito bem colocado, professor. Estranhei muito a reação negativa de muitos ao seu texto original. Não se verificam verdadeiramente as acusações. Participo de algumas iniciativas de extrema radicalidade na defesa de interesses populares, abrangendo, inclusive, questões carcerárias. Não identifiquei em seu texto qualquer forma de apoio à exploração de trabalho carcerário. A problemática toda se traduz justamente pela sua proposta: publicar é uma forma de se expor. E, infelizmente, verifiquei mesmo algumas manfestações anônimas. É um tanto quanto covarde este posicionamento. Se quer se manifestar, que assine. Att. VMP

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