A política é coerção, mas também imagem e linguagem. O fundamental para o político é a aparência, a imagem que ele fomenta e faz parecer real. Às vezes, o imaginário construído tenazmente por anos e anos a fio se torna tão poderoso que produz o mito e o criador passa a ser dominado pela criatura. Como o ator que se confunde com a personagem que representa, o político, quando não é assumidamente um hipócrita, tende a acreditar na representação que faz de si próprio. Hipocrisia ou autoengano, o mundo da política é uma espécie de um enorme teatro que, entre a comédia e a tragédia, apresenta atores excelentes, medianos e ridículos. O político por excelência é semelhante ao ator cuja atuação é tão perfeita que não se distingue da personagem representada.
A política pressupõe representação tanto no sentido teatral quanto no fato de uns poucos, como é praxe na democracia, se verem no papel de representantes da maioria (e não deixa de ser interessante o fato de que a crença na “representação” seja compartilhada tanto pelo que “representa” quanto por aqueles que são “representados”). A política é ficção. Como bem observou José Murilo de Carvalho: “Em política, a primeira ficção é a própria ideia de representação. De fato, é preciso admitir um grande faz-de-conta, é preciso crença para aceitar que alguém possa falar autenticamente por milhares de pessoas”.*
A política mescla ficção e realidade, representação teatral e crença no papel representado. A representação é a encenação do real, a aparência que oculta a essência da realidade social fundada na desigualdade econômica real que antagoniza grupos e classes sociais distintos. A ficção da política consiste em nos igualar em direitos civis e políticos. A política afirma a igualdade legal e formal e esconde a desigualdade real. Ela fornece a ilusão de que todos participamos e fazemos parte do grande teatro, nem que seja enquanto plateia. Eis o mistério da política!
Da mesma forma que as palavras do sacerdote atualizam o mistério da fé, a linguagem política é essencial para afirmar a ficção enquanto realidade e, dessa forma, ocultar a essência desta. A aparência surge como a verdade e a mentira ganha ares de verdadeiro. Assim, não deveria surpreender o fato de que, em política, as palavras geralmente significam o oposto do que afirmam. Na história do Brasil, liberais se convertem em conservadores, conservadores em liberais e sob o discurso democrata mais ferrenho esconde-se o autoritário forjado nos “áureos” tempos da ditadura – e que, numa certa época da vida política, também se autodenominou liberal. Muitos dos “democratas” de hoje foram os próceres de um dos períodos mais tristes da nossa história política e personagens ilustres do partido gerado nas entranhas da ditadura militar e seus herdeiros: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), PDS e PFL. Esses senhores do regresso apostam no esquecimento da história.
No teatro político é possível ser o que não se é, a mentira se transmuta em verdade e o espelho, em sua imagem distorcida, possibilita peças como essa. No entanto, uma breve pesquisa biográfica desvela a ficção e o democrata mostra a verdadeira face ditatorial. Revela-se o absurdo do significado encoberto pela linguagem “democrática”. A ironia da história e a hipocrisia ocultada sob a “representação” da política nos ajudam a compreender porque esses senhores adotam o rótulo de “democratas” e encenam papéis de paladinos da democracia. Sem ver o que se oculta sob a penumbra e as máscaras, parte da platéia acredita na encenação. Quem sabe os próprios atores também, sinceramente, acreditem?! O simulacro permanece.
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* Ver: CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 420.
é professor, fica aí ridicularizando meu partido! hsahuasuhsaaabraços e mantenha o blog!
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Grande Antonio,é isso aí.E o último parágrafo do seu texto é irretocável.Acrescento, apenas, que espanta-me a dificuldade que o pessoal da direita tem para assumir-se como tal – travestem-se de tantas denominações que a lista será um dia interminável: liberais, democratas, neoliberais, pragmatistas, realistas… conforme o modismo da época.Espanta-me muito mais, porém, a confusão que fazem entre “democracia” e “capitalismo”, como se uma fosse o pressuposto do outro, e o outro a consequência da uma – quando é tudo justamente o contrário !!!Enfim…agora temos o DEM e seus “demos”… mas “demo” sugere-me outra coisa rsrsrsrsUm abraço a você a a todos.
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Prof otimo texto, como não lembrar das grandes figuras politicas e o carisma contido na representação do autentico “politiqueiro”.Sempre passo pra me inspirar renovações no meu blog(plagiei sua playlist otima).Abraço
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Grande Ozaí… concordo plenamente!!!Aproveito para indicar alguns textos do meus Blog sobre o mesmo tema:http://cassio-nl.blogspot.com/2008/03/liberalismo-e-democracia.htmlhttp://cassio-nl.blogspot.com/2008/03/quem-so-os-liberais.htmlMais recente: http://cassio-nl.blogspot.com/2008/05/dilma-neles-ou-fogo-na-direita.htmlhttp://cassio-nl.blogspot.com/2007/11/democratas-tucanos-e-venezuela.htmlhttp://cassio-nl.blogspot.com/2007/11/perfil-de-bornhausen.htmlhttp://cassio-nl.blogspot.com/2007/11/perfil-de-acm.htmlhttp://cassio-nl.blogspot.com/2007/09/x-cpmf-sim-mas-sem-demagogia.htmlE o mais específico: http://cassio-nl.blogspot.com/2007/02/agora-seremos-salvos.html
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Todos os opressores e dominadores se assumiram, sempre, como libertadores. Só o estúpido do Marx, péssimo em marketing, designou a emancipação dos trabalhadores de “ditadura do proletariado” Que burrice!!! Qualquer velhaco do PFL teria dito alvorada da humanidade, redenção dos cidadãos… e etc.
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