Na Grécia antiga, atenienses e espartanos não se simpatizavam. A Guerra do Peloponeso, ocorrida entre 431 e 404 a.C., e registrada por Tucídides e Xenofonte, demonstra-no. A antipatia não impediu a aliança contra os persas. Gregos e troianos também não se gostavam. É conhecida a Guerra de Tróia, relatada por Homero nas epopeias Ilíada e Odisséia.
Houve o tempo das guerras religiosas em que os europeus se dividiram entre protestantes e católicos; outro em que o fim de impérios deu lugar à formação dos Estados nacionais amparados em maiorias étnicas opressoras das minorias.* Os turcos massacraram os armênios; os hutus fizeram o mesmo com os tutsis; os nazistas queriam exterminar os judeus; o Estado de Israel oprime os palestinos, e estes não se entendem entre si; irlandeses católicos e protestantes se odeiam, embora creiam no mesmo Deus; muçulmanos fundamentalistas explodem-se para matar os “infiéis”, também em nome de Deus. A desintegração da URSS e do mundo bipolar ressuscitou nacionalismos, conflitos étnicos nos Bálcãs e o genocídio. E o conservador Partido Popular, majoritário na Eurocâmara, garantiu a aprovação da “Diretiva de retorno”** – eufemismo para a expulsão dos sem documentos. O Parlamento Europeu decreta que cerca de 8 milhões de imigrantes são inimigos dos Estados e devem ser tratados a ferro e fogo, independente de idade e sexo.
Da antiguidade grega à invasão do Iraque pelos EUA e da Geórgia pela Rússia, a história da humanidade se fundamenta na guerra e na violência dos povos e Estados mais fortes contra indivíduos, etnias, povos e Estados fragilizados. A violência é expressão de interesses econômicos, mas também expressa identidades coletivas religiosas, étnicas e nacionais. Na relação entre (e intra) Estados e povos, com os antagonismos étnicos, de grupos e classes sociais, foi ela quem moldou (e modela) o mundo em que vivemos. Ela é a parteira da história.
A identidade é definida pela coesão territorial, mas também pela etnia, cultura, religião, ideologia, etc. Identidades são construídas social e historicamente e são importantes para os indivíduos e grupos na medida em que delimitam espaços e respondem à necessidade de segurança. As sociedades se transformam, mas parece que este aspecto persiste nas mais diferentes épocas. A animosidade entre povos e grupos étnicos diferentes é renitente. A aversão e a guerra ao “outro” seriam inerentes ao ser humano?
É preciso refletir sobre o que fundamenta a ação dos líderes religiosos, estadistas e nações que conquistam o apoio de amplas parcelas do povo às políticas xenófobas e racistas. Mesmo Hitler foi apoiado pela maioria do povo alemão. Eles representam interesses econômicos poderosos, mas também as vontades e opiniões da população. O caldo cultural, político e ideológico alimenta ações anti-imigrantes e reforça os interesses materiais e econômicos. Estes se impõem com o apoio dos indivíduos e grupos coletivos, que não admitem os imigrantes e consideram legítimo expulsá-los do seu convívio. Para compreender a atitude dos políticos, na Europa ou nos Estados Unidos, é necessário considerar os vínculos mútuos entre governantes e governados, economia e política. Contra tal poder, o que podem as palavras, a moral e o idealismo humanista? O que pode o Direito Internacional?
Fiquei a pensar sobre estas questões ao ouvir a conferência do professor Ricardo Seitenfus, que esteve na Universidade Estadual de Maringá a convite do Departamento de Direito Público e Centro Acadêmico Horácio Racanello Filho. Ele falou sobre a “Diretiva do Retorno”*** e também sobre o Haiti e Portugal. Sua fala foi muito instrutiva e instigante.
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* Sugiro a leitura de Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade, de Eric J. Hobsbawm (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990).** Ver http://www.europarl.europa.eu/news/archive/search/topicSearch.do# e o dossier do Parlamento Europeu: http://www.europarl.europa.eu/news/public.save/focus_page/018-32673-177-06-26-902-20080625FCS32672-25-06-2008-2008/default_pt.htm
*** Ver o artigo “Triste Europa”, publicado na Folha de S. Paulo, em 24.07.08, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2407200808.htm.
Antonio, “a aversão e a guerra ao outro” são sim inerentes ao humano. Basta acompanhar a História para ver isso. A humanidade se construiu através de guerras étnicas, religiosas, políticas, econômicas, e por aí vai… O humano é beligerante, é competitivo; ele não tem tolerância com o “outro” semelhante, muito menos com o “outro” diferente. Pouca coisa é necessária para fazê-lo explodir, quer o desgosto pela sua posição, quer a falta de compreensão de si, do seu meio, quer a vontade de se fazer ouvir… Infelizmente essas reticências não são tão breves, tal o grau de inconformismo que esta espécie que se diz “sapiens” demonstra em seus atos. As guerras são um reflexo de suas mentes, uma irrupção transbordante de raiva e ódio. O Dalai Lama prega a paz e a aceitação através do Budismo, mas nem ao seu redor isso existe. E esse exemplo é apenas um exemplo. O Papa também pede paz, e o que fazem seus seguidores?Quando o humano não está em guerra, ele também não está em paz. Ele conserva uma animosidade permanente. O menor motivo (e tudo é motivo) faz sua atenção se voltar contra algo, literalmente. Acredito que isso se dê por vários motivos, que não há uma única explicação. A vontade de mais poder? Sim, já é dito por alguém que quem o tem, sempre quer mais. Há também falta de informação, mediocridade, medo, desejo de controle, mas principalmente, um péssimo hábito! Hábito de querer que tudo seja segundo uma cartilha que foi escrita há alguns anos por uma autoridade comunitária qualquer(seja ela religiosa, política, moral, profissional) e que não nos permite tolerar aquilo que não está em “conformidade” com essa cartilha. Qualquer norma, preceito, lei, crença que não possa ser discutida, gera guerra.Nobel dizia que deveríamos deixar que a humanidade se dizimasse para então rever seus conceitos. Pois hoje vemos que, muitas vezes, o que impede um comflito é o medo que uma nação sente pelo poder bélico de outra.Há algumas semanas, em uma livraria, peguei por curiosidade um mapa “atual” de guerras e conflitos mundiais. A Geórgia não estava no mapa… Somos todos potenciais bombas ambulantes, kamikazes, a menos que verdadeiramente possamos usar da experiência para mudar os nossos conceitos, e para fazer juz à auto-intitulação de de “racionais”.
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Olá, professor,Sem dúvida, o tema abordado pelo professor Ricardo é um que mexe com o ego de nós “terceiro mundo” e nos faz questionar o que exatamente e se realmente existe “Humanidade” nos homens.Acredito ser do lado mais hipócrita do homem tratar aqueles que não “pertencem” ao seu Estado, ou sua cultura, como invasores que merecem ser tratados como coisa e não seres humanos.Antes mesmo de nos remetermos a fatos históricos, podemos observar a discriminação e repúdia em qualquer pequena comunidade ou pequena família. Enquanto há prosperidade e fartura, todos gostam de convidar para seu convívio os vizinhos e outros familiares para mostrar o que têm. Ou quando se está em extrema dificuldade financeira, sempre irão procurar ajuda daqueles que crê poder lhes ajudar.Só que nas horas em que a fartura começa a escassear, para evitar que outros possam diminuí-la ainda mais, todos fecham suas portas, muitas vezes fingindo nem conhecer ou se importar com a possível dificuldade alheia.Um exemplo claro é daquelas prefeituras que querem proibir que mendigos ou famílias mais pobres venham morar em suas cidades, inclusive barrando sua descida de ônibus e afins; isso para que o nível econômico e social de sua cidade não diminua.A tão aclamada Humanidade das pessoas, é objeto de política e ostentação quando se quer mostrar aos outros o quão poderoso ou quão abastado se é. Mas não há dúvidade que é ainda mais da natureza humana fechar os olhos, com desculpas nacionalistas, para a miséria e dificuldade daqueles que, antes de estrangeiros, são tão Seres Humanos como qualquer nacional.
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Sem dúvida, Antônio, essa dimensão do ser humano, tão explicitada na história da humanidade, em todas as épocas, deixa entrever a tensão que reside em cada um de nós, divididos entre as pulsões de vida e de morte.A política é também o campo de materialização das paixões, embora sejam tão racionalmente planejados os ataques numa guerra entre inimigos.Creio que essa temática virá à tona no Seminário de Dezembro, pois sem dúvida sua abordagem compreenderá a relação entre a história e a literatura.Em ambas está subsumida a análise psicanalítica. Por essa razão Freud inspirou-se nos clássicos da literatura e da história.
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