A política é a busca do “bem comum”?!

“A política tem como objetivo a realização do bem comum”. Eis a definição mais comum sobre a política. Será que ela dá conta da complexidade que envolve a esfera da ação política? O que é o “bem comum”?

A sociedade é cindida em grupos e classes sociais com interesses contraditórios e antagônicos. A característica principal da nossa sociedade é a competição pautada no individualismo. Será possível harmonizar demandas tão díspares? Na verdade, é a desarmonia, os conflitos, as diferença e as desigualdades sociais que tornam a política necessária. São diversos interesses econômicos, sociais etc., em permanente colisão. A política é um recurso, uma tentativa de garantir a ordem e impedir a desagregação da sociedade enredada, como diria Thomas Hobbes, na guerra de todos contra todos.

A ideia de que a política objetiva o bem comum, a justiça, o bom governo etc., remonta à tradição aristotélica e ao pensamento cristão medieval. Trata-se de uma concepção política que indica o ideal. Também tem caráter republicano: res publica significa “coisa pública”. Esta põe em relevo a comunidade, o bem comum e afirma sua predominância em relação aos interesses particulares. O Estado é visto como a expressão da “coisa pública”.

É sensibilizante a ideia de que dedicamos nossa vida ao bem comum, para que todos possam viver dignamente. Mas a realidade é cruel e mostra o antagonismo entre os diversos interesses. A universalização produzida pelo Estado é uma tentativa de ocultá-la. Já Maquiavel observou que a política é sobretudo a arte de conquistar, dominar e manter o poder político. E este se caracteriza pela coerção e uso legitimado da violência. A visão ingênua sobre a política desconsidera que esta pressupõe não apenas meios persuasivos, mas também violentos. O Estado tem como fundamento a violência, a capacidade da coação física. A idéia do bem comum não contradiz esta lógica, antes a legitima.

Como nota Bobbio, as definições teleológicas sobre a política são prescritivas, isto é, referem-se a como deveria ser o bom governo, o bem comum e a justiça. Não é uma concepção realista. Bobbio considera que os fins, os objetivos da política, são definidos de acordo com os interesses dos grupos e classes dominantes: “Os fins da política são tantos quanto as metas que um grupo organizado se propõe, de acordo com o tempo e as circunstâncias”. Ele questiona a noção de bem comum, um conceito de “extrema generalidade, pela qual pode significar tudo ou nada”. O bem comum, “se quisermos atribuir um significado plausível, ele nada poderá designar senão aquele bem que todos os membros de um grupo partilham e que não é mais do que a convivência ordenada, numa palavra, a ordem”.*

Assim, o bem comum cumpre função retórica e é meio ideológico de que se servem tanto os idealistas quanto os grupos econômica e politicamente dominantes na sociedade. Estes procuram nos fazer acreditar que seus interesses particulares são universais e que também nos dizem respeito. Vivenciamos isto através da ilusão do Estado enquanto guardião dos interesses comuns, como se este fosse neutro na luta política entre as classes e grupos sociais. É o mito do Estado! Se na religião o vinho e o pão se transubstanciam no sangue e carne de Jesus Cristo e constitui o mistério da fé; na política, o Estado se transubstancia em universal que expressa o bem comum, fazendo com que nos identifiquemos e nos submetamos. A representação política é parte deste processo pelo qual nos reconhecemos no Estado, enquanto indivíduos com direitos políticos, mas em permanente conflito de interesses exclusivistas. Porém, temos o status de cidadãos. Eis o mistério da política!

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* Ver BOBBIO, Norberto. Política. In: BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992, Vol. 2, p. 957-958.

11 comentários sobre “A política é a busca do “bem comum”?!

  1. Caro professor Antônio Ozai.Embora o descrédito total eu ainda acredito na política e na máxima: ““A política tem como objetivo a realização do bem comum”.Márcio Alexandre da Silva – formado em filosofia e educador Assis – SP Colaborador do Blog do Professor de Filosofia: http://professordefilo.blogspot.com/

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  2. Caro professor Antônio Ozai.Embora o descrédito total eu ainda acredito na política e na máxima: ““A política tem como objetivo a realização do bem comum”.Márcio Alexandre da Silva – formado em filosofia e educador Assis – SP Colaborador do Blog do Professor de Filosofia: http://professordefilo.blogspot.com/

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  3. Caro Ozaí,Obrigado por esta verdadeira aula sobre política, seguida de um debate virtual à altura por seus comentaristas.Espero que um dia meu blog atinja este nível de qualidade.Abraços.

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  4. Não podemos deixar de estender o individualismo na vida política para a sociedade em geral. Quem se beneficia com a existência do Estado não são somente os que possuem cargos eletivos, mas, um grupo muito maior de pessoas. Uma possível extinção do Estado não significa uma mudança para melhor no modelo individualista em que estamos organizados. Com todos os defeitos do Estado, muitas vezes ele ainda é o único que atende uma demanda bastante excluída do meio social. Não estou defendendo o Estado, porém, quem coloca a mão no bolso por simples altruísmo? A coisa tem funcionado pela força da lei e dos impostos.

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  5. Querido Ozaí O Estado é, na definção de Marilena Chauí, uma instituição(?) que,”enquanto apregoa a igualdade ideal, promove a desigualdade real”. Isto explica como é o Estado o criador de todas as mazelas (para não dizer câncer) que podemos enumerar numa lista sem fim: menor abandonado, sem terra, sem teto, sem emprego, sem escola, sem dignidade etc etc etc… De um ponto de vista libertário, para acabar com essas mazelas basta simplesmente acabar com o Estado, em especial o Brasileiro, ´que, desde o tempo do Imperio até os nossos dias, nunca teve em sua pauta de discussão essa coisa chamada povo. Nada mais é, como bem disse o comentarista Nascimento, uma espécie de despachante de luxo dos interesses da alta burguesia. Assim, estirpar esse câncer pode ser um pouco traumático, mas o alívio e a saúde restaurada fazem valer a pena. Um abraço fraterno.

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  6. Olá Ozaí Nas palavras de Marilena Chauí, o Estado, enquanto tenta nos convencer de estar buscando a igualdade ideal,está, na verdade, promovendo a desigualdade real.Todas as mazelas (para não dizer câncer) que podemos enumerar tais como menor abandonado, marginal, sem terra, sem teto, sem trabalho, sem dignidade etc etc, são produzidas e gerenciadas pelo proprio Estado e são também seu alimento vital. E ele jamais vai retirar seu proprio alimento. A solução, do ponto de vista teórico é simples cristalina: acabar com o Estado. Como observou o comentarista Nascimento, o Estado nada mais é que um Despachante de Luxo para os interesses da alta burguesia. A palavra povo e sua demandas jamais estiveram em sua pauta. Jamais! Extirpar esse câncer pode ser traumático e doloroso mas, parece radical, e é, porém não vejo outra saída. Inclusive, nesse sentido, há experiências que comprovadamente deram certo, como é o caso da “Colônia Cecília” realizada aí mesmo no Brasil. Um abraço

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  7. Querido Ozaí O Estado é, na definção de Marilena Chauí, uma instituição(?) que,”enquanto apregoa a igualdade ideal, promove a desigualdade real”. Isto explica como é o Estado o criador de todas as mazelas (para não dizer câncer) que podemos enumerar numa lista sem fim: menor abandonado, sem terra, sem teto, sem emprego, sem escola, sem dignidade etc etc etc… De um ponto de vista libertário, para acabar com essas mazelas basta simplesmente acabar com o Estado, em especial o Brasileiro, ´que, desde o tempo do Imperio até os nossos dias, nunca teve em sua pauta de discussão essa coisa chamada povo. Nada mais é, como bem disse o comentarista Nascimento, uma espécie de despachante de luxo dos interesses da alta burguesia. Assim, estirpar esse câncer pode ser um pouco traumático, mas o alívio e a saúde restaurada fazem valer a pena. Um abraço fraterno.

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  8. Não querendo fazer uma análise vulgar, mas acho que no Brasil a política é feita para a busca do bem, o problema é que é uma busca do bem apenas para os políticos, que entram dentro da máquina administrativa do Estado como um parasita e dificilmente saem dali, deixando seus filhos, ou suas crias políticas. Naquele nosso velho problema de confundir a coisa pública com a privada. Ainda ocorre o problema do lobby, quando o político governa a favor das empresas que ajudaram na campanha, e ainda o ajudam a receber “uma grana por fora”. E mais, seria bom se só no Brasil fosse assim, mas em qualquer país do mundo, a classe política se importa primeiro em buscar um bem próprio, e depois disso, caso fazer o bem para a comunidade traga algum benefício eleitoral, ou mesmo financeiro é que o político vai buscar fazer o bem público. A sensação é de que a política se resume ao que é dito em um parágrafo do Manifesto Comunista de Marx e Engels : “O executivo no Estado não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.” É claro que como toda e qualquer atividade que envolve humanos, existem aqueles que fogem do lugar comum, e defendem o bem comum, mas a sensação que se tem, é de que a cada dia esses políticos bons perdem espaço, para aqueles que só pensam a partir de uma lógica utilitarista.

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  9. Caro Ozaí, Penso que você tocou numa questão extremamente “espinhosa”, e com a qual podemos fazer analogia em diferentes momentos da História. No meu entendimento sempre chegaremos ao mesmo ponto, pois, afinal, é sempre um determinado grupo que governa, que faz política em prol de interesses próprios. Claro que este grupo se alternou ao longo do tempo e do lugar. Sou bastente céptico em relação a esta questão. Acredito que o ser humano sempre pensa primeiros em seus interesses, para depois pensar nos de outrem. Isso pode ser oriundo de posicionamentos ideológicos, políticos ou econômicos.Logo, alguém dirá:”Então estamos fadados a ver os interesses públicos serem suplantados pelos individuais?”. No meu raso entendimento, penso que, enquanto a sociedade civil não se articular formando grupos de pressão para o atendimento de seus interesses (de determinados grupos) nada mudará. O voto, a ditadura do número, não garante nada ao cidadão, mas a pressão política que eles e seus pares podem exercer, e que resulta no verdadeiro exercício da cidadania, essa sim, pode levar à algum lugar.Resumindo,a experiência da URSS já mostrou que os governantes presam primeiro por seus interesses (conscientemente ou não), porém, por outro lado, na sociedade capitalista sofremos com a atomização dos indíviduos que deteriora por dentro as organizações sindicais e outros tipos de organizações corporativas ou comunitárias.Contudo, não vejo outra forma de mudança, senão pelo saber, via sistema educacional. Então as coisas se complicam, afinal, a melhora deste perpassa pela questão social. A “coisa” é complexa!Abs

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