De volta às origens!

“Pouco importa o que você disser sobre si próprio. Você pode se declarar anarquista, democrata, popular, socialista… Importa é o que você faz. Esta é a diferença!” *

Não sei quem é o autor das palavras acima, mas concordo plenamente. Li-as em outubro de 2007, e não esqueci. Relembrei nestes dias, após um dos meus alunos perguntar sobre a minha ideologia política. “Por que”, disse ele, “os professores não revelam suas ideologias?”. E eu fiquei a pensar: por que essa necessidade de saber se fulano é liberal, marxista ou anarquista? Por que precisam catalogar as pessoas em rótulos ideológicos? O que importa mais: o que digo sobre mim ou a minha prática?

Há muito aprendi com o mouro que “não se julga um indivíduo pela ideia que faz de si mesmo”. Mas também é temerário julgá-lo pelo que dizem dele. Quanto eu militava na Pastoral Operária, na Zona Leste da capital paulistana, disseram pelos corredores da vida que eu era infiltrado, que pertencia à juventude comunista. Certa vez, nas eleições dos metalúrgicos de São Paulo, com a oposição dividida, defendi que devíamos apoiar uma das chapas e descer do muro. Citei a Bíblia: “Conheço as tuas obras; não és frio nem quente. Oxalá, fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (Apocalipse 3, 15-16). Mas nem isso foi suficiente para demonstrar a minha sinceridade de propósito.

Pelas salas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e na subsede em Diadema, também disseram coisas a meu respeito. Os aprendizes de “big brother” vigiavam o meu comportamento nos encontros partidários. As “vozes da delação” disseram aos meus “patrões” que apoiei posições que não coadunavam com a “linha política” da direção. Fizeram intrigas, me “queimaram”. Falaram que eu havia aderido ao “grupo do Genoino”, que era considerado revolucionário. Outros, na mesma época, diziam que eu era da Convergência Socialista. E quando esta articulou a formação do PSTU, espalharam que eu havia aderido e estava em sua direção nacional.

A minha obstinação em pensar com a própria cabeça, em não “rezar a cartilha” com obediência cega, e, enfim, a minha postura crítica e independente, alimentou a “fogueira da inquisição”. A situação tornou-se insuportável e o tribunal reuniu-se para julgar o acusado. Então, para a minha tristeza, vi que as acusações não eram apenas de cunho político, mas envolvia até mesmo a minha vida pessoal. O companheiro Lula estava presente neste dia e permaneceu em silêncio. Apenas dois tiveram a coragem de me defender: Mauro e João Paulo. Jamais esquecerei. E tudo porque não aprendi a me calar e ser subserviente com a liderança.

Foi um dos piores momentos da minha vida. Não é fácil ser julgado pelos próprios companheiros. Romperam-se os laços de confiança. A convivência com aqueles com quem aprendi a fazer política tornou-se impossível e tive que me retirar. Foi necessário repensar toda a minha vida, fazer novos planos, buscar novos rumos e tentar sobreviver.

Eu era apenas um curioso que tentava aprender o que era comunismo, marxismo, etc. Por isso, escrevi o História das Tendências no Brasil. Aliás, escrever este livro também me trouxe ironias e desconfianças. Por causa do meu interesse e das relações que estabeleci, alguns me trataram como se eu fosse uma espécie de vírus que contamina o corpo político. Diziam que eu era marxista, comunista. E, de fato, terminei por me aproximar do marxismo. Mas, na verdade, eu não era marxista. Eu era cristão, da Teologia da Libertação. Este foi o meu caminho para Marx. Esta experiência me libertou da necessidade de venerar deuses profanos sacralizados na luta política. Mas não me livrou das etiquetas ideológicas.

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* In: Boletim eletrônico mensal do Nu-Sol – Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, nº. 89, setembro de 2007.

7 comentários sobre “De volta às origens!

  1. Excelente texto Antonio, um protesto bem pertinente… Lembro do tema de um outro texto seu, que li recentemente, sobre a auto-exposição. Se opta-se por ser autêntico, corre o risco de sofrer o julgamento dos olhos alheios, se não é autêntico, vive uma vida presa aos ditames dos outros.Há pessoas que têm medo do que não conhecem, e por isso tendem a enquadrar os outros em rótulos e etiquetas, isso para melhor manipular a situação e até para gerenciar suas próprias fraquezas (em segredo). A questão remete sempre ao domínio, quem é o “Big Boss”? Enquanto se pode fugir disso para não ter de “vender a alma”, tanto melhor. E nessas escolhas, perde-se umas coisas, mas ganha-se outras.Melhor ser autêntico, pois…

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  2. Professor Ozaí,acabei de ler este seu texto e estou aqui a imaginar a sua fertilidade existencial. Como é bom ler o que se escreve de dentro, a partir do vivido e do refletido. Vai muito além do teórico e brota do cotidiano dos que buscam dar ao mundo um pouco de si. Abraços! Jonas

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  3. Caro Ozaí,que mundo louco, em que não ter corrente é não ser gente. A gente ter de ser fichado, rotulado carimbado… lembra?Nossa simples presença não conta nada. Contam-nos pelo que nosso pensamento representa de adesão ou recusa.Essa normalpatia deve ser mantida bem longe de nós, e penso que seu texto sugere isso…Abraços…

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  4. Paz e bem!Ozaí:Esta deves conhecer,mas em todo o caso:Uma vez no Grupo de Jovensque eu participavafoi feita uma dinâmica de grupoem que tinhamos que responderduas perguntas:- Qual a imagem que faço de mim mesmo?- Qual a imagem que penso que os outros têm de mim?Foi muito interessante,pois todos descobrimos queuma coisa era a nossa auto imagem;outra a imagem que pensávamos que transmitiamos;e a terceira a imagem que os outros tinham de nós.Mas principalmente,aprendemos que estas três são parcialmente verdadeiras,mas não totalmente verdadeiras.

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  5. pois é, Ozai, a intolerância é que sempre foi o virus invasor de todas as tentativas de organizaçao em torno de um ideal. mas com isso, aprendi a conhecê-lo um pouco melhor e também lembrei de tempos idos.acho que todos os cristaos foram levados a “pôr a religiao de pé” e de pé na terra nessa época.o que me veio à lembrança, foi a enorme sensaçao de largueza intelectual, quase de alivio, quando descobri a reflexao de Marx sobre as fronteiras nacionais, as lutas de interesses, enfim, toda a complexidade da historia. até entao a informaçao que eu tinha tido era a euforia nacionalista, a sacralidade do territorio nacional, a imutabilidade da forma do pais, que nao me convenciam, mas me comprimiam a inteligência e a capacidade de raciocinar. e ai fica minha contribuiçao a essa troca entre gente de boa vontade.abraço,Regina

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