A Revista Mediações, publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (PR), vol. 14, nº 1, 2009, traz o Dossiê “C&T: análises sobre a cultura da avaliação na produção acadêmica”. [1] Trata-se de uma importante contribuição para a reflexão sobre o produtivismo no campo acadêmico. Esta iniciativa soma-se a outras atividades e manifestações de resistência, como o Dossiê “UNIVERSIDADE EM RITMO DE MERCADO” publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 100, setembro de 2009. [2]
O dossiê da Revista Mediações, apresentado pela Profª Martha Ramiréz-Gálvez[3] traz excelente trabalho sobre a “cultura de auditoria”. Este termo “foi cunhado por sociólogos e antropólogos para descrever não exatamente um tipo de sociedade, lugar ou povo, mas uma condição: uma condição moldada pelo uso de técnicas e princípios modernos de auditoria financeira”, afirma Cris Shore.[4] Esta “cultura” molda subjetividades e envolve a todos: “seja na forma de verificações anuais de desempenho, exercícios de avaliação de pesquisa, ou classificação competitiva de nossas instituições”. Isto se dá de maneira insidiosa e mesmos as mentes críticas na universidade acabam internalizando e reproduzindo comportamentos determinados por esta “cultura”. Os efeitos são visíveis: aumento substancial da carga de trabalho, doenças relacionadas ao estresse, precarização do trabalho, etc.[5]
O dossiê apresenta ainda os seguintes textos:
Notas a propósito de los mecanismos de acreditación del conocimiento y de la reconfiguración de lo social – por Cecília Diaz-Isenrath. [6]
Estatísticas de citações – por Robert Adler, John Ewing, Peter Taylor. [7]
Textos de avaliação na web: para uma política de incentivo às publicações virtuais – por Zacarias Jaegger Gama. [8]
Sua revista tem Qualis? – por Antonio Ozaí da Silva. [9]
Sinfonia a muitas mãos: esboço etnográfico de um projeto científico e as vicissitudes das políticas de avaliação – por Lady Selma Ferreira Albernaz. [10]
Na apresentação do Dossiê, a Profª Martha Ramiréz-Gálvez destaca os efeitos perversos deste sistema. Observa, por exemplo, que “não necessariamente favorece a quem mais trabalha; porém a quem mais produz as provas padronizadas do seu trabalho”, isto é, atividades que não se enquadram nos formulários e padrões avaliativos não têm qualquer valor. Por outro lado, este sistema “não deixa espaço para o tempo necessário à produção de novas ideias, fruto de um processo de reflexão e amadurecimento, colocando em risco a criatividade que é parte integral da produção acadêmica”. Além disto, estimula a competição entre os pares, o que influencia comportamentos e práticas que passam ao largo da ética.[11]
Estas questões foram discutidas no evento “Fordismo da produção acadêmica”, realizado na UNESP, campus de Marília (SP), e que promoveu o lançamento da Revista Mediações. Tive a honra de ser convidado e compor a mesa junto aos professores Jair Pinheiro (Unesp) e Sávio Cavalcante (UEL). A minha fala teve como referências os textos publicados na REA, especialmente “Somos todos delinqüentes acadêmicos?” [12] e “Produtivismo no campo acadêmico: o engodo dos números”[13] , além, é claro, de “Sua revista tem Qualis”.
Foi um debate frutífero e momento de aprendizado. Ficou a certeza de que devemos ir além das manifestações individuais, pois não basta espernear ou recolher-se ao isolamento. A nossa responsabilidade é ainda maior se considerarmos a influência sobre as novas gerações. É preciso estimular atitudes críticas e atividades coletivas de resistência a esta cultura e, sobretudo, articular-se politicamente.
[1] O Dossiê está disponível para leitura e download em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/index
[2] Disponível em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/view/361/showToc
[3] Ver “Apresentação: algumas considerações sobre a cultura da avaliação”, disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3340/2731
[4] Cris Shore. Cultura de Auditoria e Governança Iliberal: Universidade e a Política da Responsabilização. Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3341/2732
[5] Idem, p.27-33 (versão impressa).
[6] Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3372/2751
[7] Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3348/2734
[8] Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3349/2735
[9] Versão ampliada e modificada do texto publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 56, janeiro de 2006. Na Revista Mediações está disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3350/2736
[10] Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/3351/2737
[11] Idem, p.14-20 (versão impressa).
[12] REA, nº 88, setembro de 2009.
[13] REA, nº 100, ESPECIAL, setembro de 2009, disponível em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8148/4571
[…] Revista Mediações: produção e produtivismo acadêmico, 24.10.2009. […]
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Ozaí,Seus artigos e reflexões sobre as universidades, principalmente sobre as delinquências, são impressionantes.E ainda bem que existe uma parcela que pensa em reagir. Não sei como doutores, de fato, se submetem e aceitam esse jogo do produtivismo aparente. Colecionam certificados, atas de reuniões, palestrinhas sem importância e a criação de cargos inúteis e dispendiosos pontuarem suas progressões. Integram e criam associações, um sem número de ONGs, OSCIPs, institutos, fundações e programs, projetos, convênios com seus quilométricos regulamentos, duplicando meios para os mesmos fins, sem tempo para os seus discípulos. Não raro estão comprometidos com desvios, má aplicação de recursos e contas mal prestadas pois não são preparados para isso. Boa parte do seu tempo agora é gasto com correligionários e ocupação de espaços, implicando em ter que destruir reputações caso sejam opositores. Professor travestido de executivo talvez não seja nenhum. Se computarmos quantos professores estão na burocracia em Brasília, estados e municípios, inclusive dentro das universidades, tem-se a impressão que são em maior número do que de alunos. E não estão auditando. Estão fiscalizando. E acreditam que é de suas fiscalizações que as universidades evoluirão. Auditando está você e uns poucos ao diagnosticarem uma realidade escancarada que a burocracia universitária cria e incentiva. Em suas estatísticas dizem ter capacitado técnicos, mas quem ocupa cargos são os ilustres professore burocráticos, titulados e concursados para a docência.
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obrigado pela dica. []´s. Lucas.
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