A força da tradição no mundo ao avesso

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A modernidade anunciou o triunfo da Razão. Ela representou a possibilidade de construção de um mundo novo, contra os valores morais e teológicos predominantes na Idade Média. Impôs a racionalização do processo de produção, a impessoalidade nas relações, a dominação das elites que buscaram moldar o mundo ao seu pensamento, através da conquista de novos mercados, pela organização do comércio, a produção fabril e a colonização.

O triunfo da Razão, idéia essencial da modernidade, representou a substituição de Deus pela Ciência: as crenças religiosas foram relegadas à vida privada. A Razão fez tábula rasa da tradição secularmente fundada no predomínio das ideias e dos valores cristãos-medievais que submetiam o destino dos homens e, também, das formas de organizações sociais e políticas fundadas na crença e no domínio dos costumes.

“Tudo que é sólido desmancha no ar”: eis a síntese da modernidade. No lugar da segurança, da coesão social fundada na moral cristã-medieval, dos espaços territoriais bem definidos, de uma compreensão estática e perene do tempo, a força dos sentimentos e dos vínculos pessoais etc., a modernidade impõe a insegurança das incertezas, a crise dos parâmetros, a desarmonia. Como escreveu Berman (1986:15), o homem moderno vive sob o “redemoinho de permanente mudança e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”.

Contudo, a modernidade apresentou-se como uma utopia positiva que parecia dar novo alento à humanidade. Acoplada à ideia de ordem e progresso, infundiu a ilusão de que os homens finalmente caminhavam em direção à felicidade e à liberdade. Não por acaso, cunhou-se o termo iluminismo. Os filósofos das luzes iluminam as trevas da medievalidade e confiam exclusivamente na Razão.

Esta percepção positiva da modernidade não está isenta da crítica. Rousseau apontou os limites do progresso e da ciência e observou o quanto vivemos sob as aparências, numa sociedade essencialmente hipócrita e corrompida.

Nós, homens e mulheres frutos desta modernidade, vivemos sob o signo de uma era onde, como na transição do homem cristão-medieval ao homem econômico racionalista, permeia a transitoriedade, o incerto, o fugidio, ou seja, a angústia da falta de perspectivas; da insegurança com o amanhã; o medo diante da ciência, da sua capacidade de criar novos Frankensteins e sua teimosia em substituir o criador; o ceticismo diante do progresso; a sensação de que perdemos os valores fundamentais que dão coesão à vida em sociedade; a impotência diante do Estado e dos processos políticos, etc.

A realidade social parece confirmar os piores prognósticos: o“admirável mundo novo” de Aldous Huxley parece se impor; ou, talvez o pior, confirma-se o imaginado por George Orwell em sua obra 1984. Não necessariamente através da imposição do Estado Totalitário, mas pelo absolutismo de mercado que controla todas as esferas da sociedade, impondo o pensamento único e desenvolvendo formas de controle da privacidade.

Vivemos num mundo De pernas pro ar. Neste mundo ao avesso, milhões são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência. Esta realidade é petrificada no instantâneo virtual da mídia; o real é banalizado, transformado em números estatísticos, objeto de estudo e fonte para angariar recursos financeiros pelos que vivem dos intermináveis projetos sobre os miseráveis.

No mundo De pernas pro ar, a necessidade é irmã do medo e o próximo é o inimigo real ou virtual:

“Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos” (Galeano, 1999:07-08)

No mundo novo fictício de Aldous Huxley, a estabilidade social é sustentada pela estratificação social, pelo condicionamento programado em laboratórios e o uso da substância denominada Soma, garantia da solidez emocional e antídoto à doença que acomete os críticos, aqueles que teimam em contestar o pensamento e a ordem absolutos. As drogas do mundo real não são apenas aquelas que tornam os narcotraficantes os poderosos de nossa época, senhores que controlam políticos, policiais, juízes e populações. Não! As drogas modernas assumem ares de inocência: apresentam-nas sob a embalagem religiosa; sob a ingênua programação televisiva; sob o rótulo propagandístico que estimula o consumismo, o ter e o individualismo; sob o refúgio da virtualidade, da overdose de informações e do lixo que transita on-line pela Web.

Os indivíduos buscam a felicidade sob o abrigo do psicologismo da indústria de autoajuda, no consumismo, no misticismo e no intimismo. A realidade social não lhes diz respeito; treinam a insensibilidade e fogem, como o diabo foge da cruz, de qualquer compromisso coletivo com as transformações necessárias para humanizar o mundo real. Vivem nas nuvens!

Na idade média a ideologia dominante pregava o conformismo: as esperanças dos pobres se centravam no idílico paraíso pós-morte. Em nossa época, democratizou-se o conformismo e a busca da salvação individual: pobres, empresários, madames e senhores da classe média viram as costas ao mundo real – esta triste realidade! – e disputam em igualdade de condições um lugar no céu. Os que se enriquecem e vivem da fé alheia agradecem.

Uns e outros apaziguam as consciências através do assistencialismo, da esmola e do altruísmo religioso. Como o homem do século XIX, assustado diante da sociedade industrial, há o retorno e o apego desesperado às tradições. Os interesses e as contradições sociais e individuais dão lugar à conciliação, à harmonia, à irmandade. Há algo de positivo nisto: o resgate da humanidade, dos valores humanitários. Mas, seria demais rigoroso observar em tudo isto o reino da hipocrisia?

O refúgio nas tradições tem as suas vantagens. Em primeiro lugar, é o tipo de atitude social e individual que foge ao controle da Razão instrumental e do Estado. Malgrado todos os aspectos hipócritas, não há como não se emocionar com a pureza dos sentimentos resguardados nos melhores corações, em especial dentre as crianças. É lícito reconhecer que em meio à ideologia do mercado que transforma momentos de confraternização em mera troca de mercadorias, mercantilizando os próprios sentimentos e as relações afetivas, sobrevivem verdadeiras manifestações de solidariedade que fogem à lógica mercantil.

Por fim, também devemos reconhecer que a Razão triunfante da modernidade não conseguiu – felizmente! – por termo a todas as tradições, o que significa a possibilidade de mantermos um elo com o passado, aprender com este e resguardar aquilo que ainda nos dá o status de humanos e não de autômatos obedientes aos ditames da lógica do mercado. A sobrevivência da tradição nos ajuda a contrapor nossa subjetividade à racionalidade cega e objetiva, contribuindo para a crítica racional a um mundo desencantado com sua própria realidade.

Referências

BERMAN, Marshall. (1986)Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras.

GALEANO, Eduardo. (1999)De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM.

HUXLEY, Aldous. (1999)Admirável Mundo Novo. São Paulo: Globo.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. (1998) Manifeste du parti comuniste. Paris: GF Flammarion.

ORWELL, George. (1998)1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

ROUSSEAU, Jean-Jacques.(1978) Do Contrato Social; Ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; Discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores).

ZOLA, Émile. (1999) Como se casa, como se morre. São Paulo: Ed. 34.


* Versão revisada a partir de texto homônimo publicado originalmente na Revista Espaço Acadêmico, nº. 35, abril de 2004.

22 comentários sobre “A força da tradição no mundo ao avesso

  1. Caro Ozaí
    aproveito em tempo para meter minha colher e dizer que ao contrário do que está em moda atualmente acredito no bom selvagem de Rosseau, de que o homem nasce bom e livre. Mas, devidos as circunstâncias se torna em mal e subordinado . Acredito no materialismo dialetico na luta dos contrários e na unidade dos contrários.
    obrigado

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  2. Professor Ozaí
    durante muito tempo acreditei na última página do volume “história das tendências” de que seu autor resolveu continuar na luta sindical e voltar à fábrica para o trabalho com os operários. porém vejo que o professor escolheu o caminho árduo dos debates acadêmicos em uma postura pretensiosa. assim , parabenizo-o a uma pela coragem a duas pela decisão correta de que a classe trabalhadora tem que ocupar o seu espaço na universidade e no saber retirando a burguesia para o seu papel de lixo da história.
    obrigado pelo livro e pelo blog.

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  3. Caro professor,
    Me impressiono a cada texto seu, tão bem escritos e reflexivos. Mas permita-me tirar uma dúvida: no final, ao se referir à “sobrevivência da tradição”, seria necessariamente as tradições religiosas, ou de uma maneira geral? Pois se for só em relação às primeiras, isso não seria retornar àquele tipo de obscurantismo?

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    • Lucas,

      obrigado por ler e comentar.
      Sim, refiro-me à tradição em geral – incluindo, claro, a tradição religiosa.
      Tradição e obscurantismo não são analogias mecânicas; mas, claro, este último se vale da aspectos da tradição.

      Estou aberto às sugestões, críticas e contribuições.

      abraços e tudo de bom,

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  4. Olá Ozaí, as questões que coloca no texto são provocativas. E acredito que foi essa a sua intenção, provocar o seus leitores. Me chamou a atenção nele a sua referência sobre o livro Tudo o que é sólido desmancha no ar. E oque eu gostaria é de comentar sobre um ponto nele que me chamou a atenção, isto é, sobre a sensibilidade.

    Berman fala da ironia moderna se insinuar em muitas grandes obras de arte e no pensamento do século passado, ao mesmo tempo em que dissemina por milhões de pessoas comuns, em suas experiências cotidianas. No livro a ua intenção é explorar as tradições da modernidade, que no curso de cinco séculos desenvolveu uma rica história e uma variedade de tradições próprias.

    O autor vai a essas experiências no sentido de compreender de que modo elas podem nutrir e enriquecer nossa própria modernidade e mostrar, como podem empobrecer ou obscurecer o nosso senso do que possa ser modernidade. A sua ênfase no modernismo é pelo realismo. No sentido de explicitar as contradições que impregnam a vida moderna, e assim, auxiliar em uma compreensão a fim de que possa ter uma clareza e honestidade ao se avaliar e enfrentar as forças que nos fazem ser o que somos.

    A modernidade definida por Berman é um tipo de experiência vital – uma experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo hoje. Assim, ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor, mas ao mesmo tempo, não somente as boas coisas, mas também pode significar uma ameaça no sentido de vir a destruir o que sabemos, o que temos e o que somos.

    Nesse contexto o que me chamou atenção é onde Berman faz a localização da origem da sensibilidade moderna. Para tanto faz uma localização histórica em Jean Jacques Rousseau, o primeiro a usar a palavra moderniste. Um homem, profundamente perturbado e angustiado com as condições peculiares de uma vida difícil na sociedade parisiense.

    Na sua romântica novela A Nova Heloisa, o jovem herói Saint-Preux escreve à sua amada Julie, das profundezas do tourbillon social, tentando transmitir a ela suas fantasias e apreensões. Ele experimenta a vida metropolitana em uma permanente colisão de grupos em um contínuo fluxo e refluxo de opiniões conflitivas. Em que todos se colocam frequentemente em contradição consigo mesmos, e tudo é um absurdo, mas ao mesmo tempo nada é chocante,uma vez que todos estão acostumados a tudo isso.

    Um mundo em que o bom, o mau, o belo, o feio, a verdade, a virtude, têm uma existência local e limitada.O herói em uma carta a Julie reafirma sua intenção em manter-se fiel ao primeiro amor, ao mesmo tempo em que receia, como ele diz: “Eu não sei, a cada dia, o que vou amar no dia seguinte”. É nessa atmosfera de agitação e turbulência, aturdimento psíquico e embriaguez, expansão das possibilidades de experiência e destruição das barreiras morais que se dá origem da sensibilidade moderna. Abraços, Jaci

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  5. Caro Professor Ozaí,
    Lendo seu texto fico pensando…A globalização, que parece ser o destino final da humanidade, não deveria ser ruim. Deveria aproximar os povos, trocar conhecimentos, experiências, diminuir as desigualdades, etc. Mas, porque ela prova o contrário a cada dia que se passa? Será porque desde que o ser humano se deu conta do poder, sempre tem alguem querendo controlar alguem, organizações querendo controlar organizações, países querendo controlar países, pais querendo controlar os filhos, filhos querendo controlar os pais. O ser humano mostra ser cada dia menos humano, pelo menos em sua maioria. O vírus de colonizador tem contaminado a maioria. Quanto maior a minha colônia melhor para min!! Esse parece ser o pensamento geral. Cada dia que passa há mais formas de fazer amigos, conhecer pessoas, mas, o ser humano parece ser cada vez mais egoísta.
    Se o ser humano pensasse mais em melhorar a si mesmo, tornando-se uma pessoa melhor ao invés de ditar soluções para todo mundo, será que as coisas não seriam melhor?
    “amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” Tá difícil isso acontecer hoje em dia…

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  6. Queridos amigos, vai aqui mais uma contribuição informativa quanto a natureza humana, pois, lembrei-me de Santo Agostinho (354 / 430 d.C) que caracterizou o homem como social por natureza e anti-social por vício.
    (De Civitate Dei, XII, 27) afirma no final do mundo antigo, nas suas confissões (X,27, 38), em hino célebre, que Deus está dentro do homem.
    “TARDE TE AMEI, Ó BELEZA TÃO ANTIGA E TÃO NOVA, TARDE TE AMEI! ESTAVAS DENTRO DE MIM E EU MESMO ESTAVA FORA! E ERA AÍ QUE EU TE PROCURAVA NAS COISAS BELAS QUE CRIASTES, SOBRE ELAS ME ARROJANDO DISFORME. ESTAVAS COMIGO E EU NÃO ESTAVA CONTIGO!
    ( Extraido da Revista AASP – sobre CONSTITUIÇÃO ).

    Parabéns pelo seu BLOG, ele me fez pensar as palavras do Rabino quando disse:
    ” O prestígio de uma casa depende da qualidade de seus visitantes “.(Hilel).

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  7. Caro Ozaí,
    Ótima análise. É a esse estado do mundo atual, que vem sendo construído nestes últimos 400 anos, que chamamos de Moneycentrismo, pois a busca pelo dinheiro parece que está liquidando o próprio Antropocentrismo, que havia colocado em segundo plano o Teocentrismo.
    Abraço,
    Michellon

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  8. Professor Ozaí:

    Primeiramente, quero dizer que postei o link do seu blob no meu a fim de divulgá-lo para, talvez, algumas pessoas que não o conheçam, mas gostariam de acessar assuntos tão relevantes.

    Segundo, parabenizá-lo pelo texto “A força da tradição no mundo ao avesso” como também a construção dele. O senhor consegue materializar as ideias de forma muito clara e direta, permitindo, assim, uma compreensão rápida tanto para aqueles que não possuem muito conhecimento do assunto quanto para aqueles que já possuem um potencial intelectual elevado. Na verdade, sem necessidade de banalização textual, o senhor atende a uma pluralidade de leitores.

    O texto “A força da tradição no mundo ao avesso” apresenta claramente as consequências da modernidade na atual sociedade. Há muitos pontos importantes que instigariam interessantes comentários,mas há um desses que me parece assustador já que permite a cegueira humana.

    Dizer que se vive hoje sob o signo da globalização e que se reduz tudo à mercadoria não é novidade. No entanto, as consequências nas relações humanas são assustadoras, pois o ser humano perdeu a subjetividade e não consegue encontrar a essência dele. A mídia, principalmente a televisiva, divulgadora das ideologias de mercado, conseguiu roubar a essência do ser humano. Sem saber quem o é, ele compra um pacote que o promete sucesso e felicidade. Nesse pacote, surgem as mais variadas receitas: como educar filhos para o sucesso, como ficar rico, como permanecer casado etc. O ser humano, então, vai engolindo e, ao invés de usar máscaras, passa a ser engessado. Acredito que as máscaras podem ainda ser retiradas com mais facilidade enquanto o gesso o torna mais resistente à verdade. Sendo assim, acredito que a crítica racional citada pelo senhor só é possível a poucos uma vez que somente os não engessados são capazes de enxergar tal situação.

    Encontrar a essência é, por exemplo, aprender a silenciar, viver de monólogos ou do diálogo com as leituras, mesmo que o grupo o rotule de primitivo; é não aceitar a pedagogia do amor que infantiliza e engessa, cada vez mais, os alunos; é não aderir a dinâmicas bobas em encontros pedagógicos; é professar a fé em Deus, quando não se é ateu,sem se deixar manipular por instituições religiosas mesmo que se faça parte de uma delas; é não aceitar bombons nos encontros pedagógicos cuja metáfora é a aceitação da não valorização profissional…Enfim, é não aceitar as drogas modernas que assumem ares de inocência como o senhor citou tão bem.

    Atenciosamente,

    Sandra Nunes

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  9. Caro Ozaí.
    É bom ter visto seu texto, por sinal, muito interessante e relevante, depois de ele ter sido comentado por outras pessoas. Assim verifiquei, de imediato, os diferentes ângulos de análise dos demais e pude compará-los a minhas próprias perspectivas.
    Pessoalmente, me alinho às posições de Abrahão Israel Pitkowski, ainda que discorde dele, quando afirma que “… verificamos que a humanidade têm na sua maioria espíritos voltados para o mal e não evoluídos como gostaríamos que fossem”. Sou mais otimista. Acredito que a maioria da humanidade é formada por pessoas voltadas para o bem, sim. Pessoas espiritualmente boas e dedicadas ao bem, não ao mal. É só olhar para os lados e verificar quantas pessoas trabalham como voluntárias, anônimas, a serviço de pessoas ou comunidades carentes, especialmente nos diversos centros, templos e igrejas de quaisquer religiões. Mas isso não aparece na mídia. A imprensa noticia sempre o lado perverso dos acontecimentos. A tragédia.
    Quanto a serem ou não evoluídos, isso tem a ver com a concepção dele, ou de qualquer um de nós, sobre o que é ser ou não evoluído e aí é outra longa discussão.
    Voltando a seu texto, o que me chamou atenção, particularmente, foi a citação de Berman, segundo a qual “…o homem moderno vive sob o “redemoinho de permanente mudança e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”. Penso que isso foi uma grande generalização. Minha pergunta é: em qual período da história o homem não viveu sob esse redemoinho?
    Até onde me é dado ver, isso faz parte da história da humanidade. Todavia acredito que se pode falar de uma aceleração desses processos, em parte do mundo ocidental. Nesse caso, pelo que posso entender, a mudança sempre fez parte de nossa história, mas a velocidade das ocorrências vem se acelerando. Talvez o redemoinho, neste lado do mundo, venha se formando a partir da passagem da Idade Média para a Moderna. Vai ver que hoje, já estejamos às bordas de um tornado.
    Todavia,isso pode não ser verdade para muitas áreas do globo, especialmente, mas não unicamente, aquelas do oriente que, apesar da globalização, podem estar sob processos mais lentos de mudança. Portanto, o autor fez uma generalização, a meu ver, foi inadequada no tempo e no espaço.
    É neste ponto que faço uma ligação com o comentário de Silvânio Paulo de Barcelos, sobre a não inclusão, em muitos casos, da história da escravidão nas análises do período moderno. Deixando de lado o fato de que a “História é contada pelos vencedores”, que tem um peso enorme nesse fato, temos de observar também, que todas as análises têm um recorte — necessário, obviamente — que leva o analista a contemplar apenas os aspectos que — pessoal, ideológica ou estrategicamente — considera relevantes. Sempre algo (em geral algo extenso e importante, como o papel da escravidão) vai ficar ao largo. Então pergunto: o quanto isso desqualifica o trabalho?
    Dou um exemplo: Como confiar nas análises e estatísticas econômicas seja sobre o crescimento, ou o emprego, se inexistem informações (que não sejam policiais) sobre os impactos do narcotráfico, na economia? Nem se fazem referências a essa lacuna, para justificar a ausência. Não tem muito tempo que resolveram analisar o mercado informal de trabalho, mas a produção e ocupação ilegais não são ao menos citadas.
    Os trabalhos têm sempre uma vocação generalista. Ao menos se espera que suas conclusões não sejam tão particulares quanto o foco de análise. Mas, penso que é preciso dar maior importância aos limites temporais e ou geográficos das argumentações.
    Desculpe-me se me alonguei tanto.
    Um abraço

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  10. Caro Ozai, gostaria de tecer algum comentário singular, porém, achei muito forte e propositivo o comentário do Silvânio Paulo de Barcelos. “Assino” com ele.
    Abraços, Otávio Martins.

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  11. Caríssimo Antonio Ozaí, seu texto demonstra claramente os equívocos do século das luzes. Como trabalho com as comunidades quilombolas e consequentemente com a escravidão não posso deixar de lado uma profunda contradição no próprio conceito da modernidade.
    A historiografia contemporânea no ocidente, salvo honrosas exceções, não contempla a história da escravidão racial quando trata em seus estudos da questão da modernidade e tudo que ela representa de avanços, transformações e novidades. Isto se deve, em parte, à contradição intrínseca à própria noção do moderno, do inovador e do espírito de cientificidade do iluminismo quando confrontados com as relações de trabalho escravo que mais se assemelham aos modos de produção utilizados na idade média. Como sabemos, foi exatamente a força da mão de obra dos escravos africanos que impulsionaram as engrenagens do pré-capitalismo permitindo, assim, o assentamento das bases da moderna sociedade burguesa calcada nos ideais do progresso e das luzes do século XIX. Desta forma, entendemos que uma perspectiva racional desta história consiste na interface entre modernidade e escravidão, buscando nessa relação dialética a compreensão do mundo ocidental contemporâneo, marcado pelo estigma da globalização.

    Um grande abraço,

    Silvânio Paulo de Barcelos

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    • Caro Silvânio,

      muito obrigado.
      Penso que devemos refletir sobre os aspectos históricos que vc levanta.
      Obrigado por compartilhar essas questões, as quais considero importantes, com os leitores do blog.

      abraços e tudo de bom,

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  12. Perdão, más sou otimista; nada a ver com Nietzsche, tudo a ver com o Poeta Hölderlin que disse: ” O homem é um deus quando sonha, e um mendigo quando pensa; ou Kahlil Gibran quando disse: ” DO BEM QUE HÁ EM VOCÊ EU POSSO FALAR, MAS NÃO DO MAL. POIS O QUE É O MAL SENÃO O BEM TORTURADO POR SUA PRÓPRIA FOME E SEDE? QUANDO O BEM ESTÁ FAMINTO, PROCURA O ALIMENTO NAS CAVERNAS MAIS ESCURAS, E QUANDO TEM SEDE BEBE DAS ÁGUAS MAIS IMPURAS.”

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  13. Caro amigo ANTÔNIO OZAI DA SILVA .
    Nos enganamos e/ou equivocamo-nos constantemente, num mundo que parece estar evoluído, mas, na verdade, esse mundo globalizado, não reflete os nossos sentimentos mais sublimes , ou como queira, os sentimentos que vêm do coração humano.
    Certa vez lendo o PIRKEI AVÔT, que trata da tradição ética e moral do povo judeu, cheguei a conclusão que simbolicamente devemos acreditar naqueles que ainda podem sentir, cuja lógica maior ainda está no coração humano e não na razão.
    E digo, mais, o amor verdadeiro é o elo principal que nos conecta com a realidade espiritual, e precisamos urgentemente cuidar do espírito humano para que ele possa evoluir, porque até agora, verificamos que a humanidade têm na sua maioria espíritos voltados para o mal e não evoluídos como gostaríamos que fossem.Shalom.

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    • Caro Abrahão,

      muito obrigado por ler e comentar.
      Fiquei a pensar em suas palavras. Elas dizem muito sobre o sentir, mas as estruturas objetivas são muito fortes e influenciam inclusive a nossa subjetividade. O que é “amor verdadeiro” num mundo de aparências e domínio absoluto das relações de troca? E como descartar o “mal” se ele é parte do humano – como diria Nietzsche, do “humano, demasiado humano”?

      Abraços e tudo de bom,

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  14. Antonio
    Saude
    Povos com forte divisão social, tipo o chines, produziram ao longo de séculos enormes conhecimentos tecnologicos. Esses conhecimentos em muito auxiliaram o Ocidente cristão e malgrado com eles esmagaram as civilizações da América, África,Oceania, India, Chinas e outras. Denominou-se a isso de colonialismo, associado com o uso aberto da escravidão. O conhecimento produzido pelo homem e os bens transformados infelizmente chegam para alguns. A grande maioria ainda é excluída de coisas simples como a educação, o trabalho formal, o direito a saúde, etc. Óbvio que essa não é uma civilização de luz e sim de trevas, o problema todo esta em como romper com esse ciclo.
    Um abraço
    Pedro

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