Uma outra política é possível!

A esquerda mais radical não está livre de contrair o vírus que combate. Em outras palavras, também é susceptível ao canto da sereia das instituições burguesas. Sua crítica é assimilada pelo sistema eleitoral e o legitima. Seu poder de convencimento é minado pela linguagem e pelos parcos recursos que detém, comparado aos outros partidos. Sua capacidade de conquistar o eleitor “conservador” e “alienado”, já predisposto a votar nulo pela experiência acumulada em várias eleições, é limitada pela própria política que defende. Este eleitor até pode ver com simpatia os candidatos dessa esquerda, mas sabe que não terão chance. E, no final das contas, reconhece que seu voto é impotente para realmente mudar substancialmente a realidade.

O sistema eleitoral e partidário admite uma certa margem de votos na esquerda radical, outro tanto de nulos e brancos, desde que isto se mantenha em limites que não questione sua legitimidade. Por que a esquerda não adota a política de superar estes limites? Por que ela não tem a coragem de pregar o voto nulo? A resposta está em sua opção política, instituída desde que os partidos revolucionários aceitaram a “democracia burguesa”. Enquanto a revolução não chega, conquista-se um cargo aqui, outro acolá; um vereador e um deputado aqui, outro acolá; e amplia-se também o poder de atender aos interesses dos que compartilham da mesma ideologia. Multiplicam-se os cargos a conservar, ainda que o discurso se mantenha radicalizado.

Assim, cada vez mais aumenta o número dos que passam a viver da política. A missão revolucionária, viver para a política, é sutilmente substituída pela dependência econômica em relação ao aparato burocrático do partido e do Estado. E, ademais, é muito tênue a diferença entre viver da e para a política. Nos partidos de esquerda são poucos os que têm condições econômicas para se dedicarem à política sem a necessidade da recompensa financeira. A política passa a ser mais um caminho de ascensão social.

Eis uma das maiores dificuldades que a esquerda crítica ao petismo enfrenta. Sua opção eleitoral tende a repetir a tragédia petista e em circunstâncias históricas desfavoráveis. A eleição tende a reproduzir a bipolarização e a esquerda não-petista legitima o processo. Ganhará algumas posições no aparato institucional que ela própria denomina de burguês, mas dificilmente conseguirá convencer os desacreditados com a política institucional de que vale a pena atuar neste campo. Confirmar-se-á mais uma vez que a política, essa política, se restringe à minoria militante vinculada à disputa estatal e partidária. São os interesses em jogo que determinam a dinâmica da luta eleitoral.

Uma outra política, traduzida na resistência inconsciente e/ou ativa da massa que não vota nos partidos, poderia ser politizada pela defesa do voto nulo. Para tanto, seria necessário que os iluminados – que só vêem alienação e conservadorismo na postura apolítica das massas – e os que se afirmam revolucionários tivessem a ousadia de propor o voto nulo e, assim, abrir mão da possibilidade de usufruir das migalhas do poder, das benesses que o Estado concede no grau do seu merecimento às forças políticas que o disputam.

Esta é uma postura considerada utópica e até mesmo ingênua. Mas ela se fundamenta na própria história da esquerda que optou pelo caminho eleitoral, no Brasil e no movimento comunista internacional, e indica uma estratégia política diferenciada: a ênfase na política extra-institucional e a radicalização da democracia para além dos limites do sistema eleitoral. A esquerda anti-PT, embora bem-intencionada, insiste em trilhar caminhos já percorridos. Por que?!


* Este post e o anterior, “A quem servem os partidos políticos?”, têm como base o texto “Voto nulo – Uma outra política é possível”, publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 59, abril de 2006.

12 comentários sobre “Uma outra política é possível!

  1. Professor,
    O artigo expõe uma realidade histórica. O processo de cooptação da institucionalidade burguesa é brutal e muitos fatos históricos dos séculos XX e XXI, mundo afora, comprovam sua fundamentação. Vide Alemanha no início do séc XX, Nicaraguá sandinista, PT-Lula etc.
    Mas a questão é: como sair desta encalacrada? Não acredito em transformação pelo processo eleitoral do estado burguês, mas não vejo como, na atual circunstância, a defesa do voto nulo contribuirá para a politização da massa ou para crescimento de uma consciência revolucionária.
    Não será politicamente mais produtivo participar do processo eleitoral, de forma crítica, pregando os limites do sistema imposto pelo capital e a sua superação?
    Muitos quadros de potencial revolucionário que assumem tal postura crítica pelo voto nulo e se isentam da disputa eleitoral partidária estão em estado de inércia politica. No momento, ainda que de tiro curto, enquanto na dinâmica eleitoral burguesa houver espaço para opções anticapitalistas, socialistas e radicalizadas, penso que podem, dialeticamente, contribuir mais à uma politização crítica ao sistema. O que não se pode é um partido que se propõe socialista ficar apenas nisto: no institucionalismo eleitoral.

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  2. prezado professor,
    vale a pena divulgar o grito de guerra eleição não, revolução sim!
    ora, a campanha do voto nulo não deve se restringir a denúncia da farsa do regime burguês e seu escrutínio corrupto e espúrio é preciso mobilizar para a vandalização das urnas, queimar as seções eleitorais, não comparecimento púro e simples. inutilização de material de campanha, empastelamento dos jornais da burguesia. denúncia do estado totalitário.
    assim discordo da sua crítica à esquerda radical porque nem toda esquerda radical é realmente radical.
    saudações cordiais.

    genivaldo casanova (pseudônimo)
    o cabeça-chata

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  3. Professor, como é difícil pensar! Mas não podemos esquecer que segundo o Paulo Freire, não existe neutralidade política. E que todo o sujeito consciente de seus deveres carrega sua posição ideologica de acordo com suas convicções fortalecendo ou não o sistema que esta inserido.
    A memória, a cultura ,experiencias vividas constroem nossa consciencia e os processos políticos, sociais,economico e culturais que tivemos e os vivemos .
    O voto é um exercicio pleno de possibilidade de exercer, conhecer e construir o próprio exercicio de sua cidadania!
    E para isso ser coerente com projetos que já provaram ser eficientes. O que precisa é de uma educação interligada no fortalecimento da ética, da memória cultural, da construção da história de nosso pais.
    Acredito que é hora de somar as experiencias das classes sociais, das Universidades, dos Movimentos Sociiais.
    Acredito também na conscientização do VOTO e na escolha dos representantes sim!
    E o fracasso, corrupção, episódios de violencia e certas situações ocorridas no processo politico não foram e nem podemos conceituar a esquerda como os responsáveis pelos devidos enredos. Muito menos fazer um conceito da esquerda radical petista ou não.
    A permanencia da composição de uma burguesia na composição partidaria, realmente é um problema para a classe tarbalhadora, mas é um processo que precisa da participação coletiva e da construção alternativa de uma via que busque desenvolver formas para conduzir e qualificar tanto a composição, correntes, participação dentro de um programa que contemple a grande maioria do povo. A Russia fez. Venceu seus adverssários que pensavam estar muito bem preparados. E como foi que isso aconteceu? Qual foi o pensamento existente? Quem participou? Que plano foi elaborado e quem fazia parte?
    O povo não ficou de fora, nem deixou de votar!
    Elzamir

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  4. Ozaí, e o que falar do A VOZ DO BRASIL?

    Quando o avião da Tam caiu em SP, me ferrou completamente. Se ao menos tivessemos liberdade de interromper as maravilhosas notícias vindas de Brasília para indicar que São Paulo pararia devido a incopetência dos mesmos que falavam no ar naquele momento, eu nem sairia o trbalho mais cedo. Continuaria trabalhando.
    Muitas coisas deveriam mudar. O próximo mandato de presidente precisa de mudanças e de alguém pulso forte, não me interessando o lado A ou lado B, desde que faça…

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  5. Saudações professor.

    Não concordo que a esquerda possa “contrair o vírus que combata”. Acredito que essa chamada “esquerda” realiza uma política deliberada (e equivocada) de total capitulação ao sistema burguês dominante, traindo os trabalhadores e o povo, alegando que lutar na “democracia burguesa” para atingir alguns postos nas “instituições burguesas” poderá trazer ganhos para o proletariado e a população.

    Chamar para o voto nulo seria uma das formas de protestar e lutar contra a exploração sobre o povo brasileiro. Não é dentro dos estreitos limites da eleição burguesa que os trabalhadores e a população explorada conseguirá sua independência. A luta pela tomada do controle dos meios de produção e do poder econômico, passa pela existência de um verdadeiro partido revolucionário, composto por uma vanguarda revolucionária, que irá conduzir os trabalhadores e a população explorada a tomada do poder e a derrubada da burguesia.

    O que aconteceu e ocorre com o PT, e demais “partidos de esquerda”, foi que todos, sem exceção, ao chegar ao poder, deslumbraram-se com as benesses do Estado burguês e das regalias que os diferentes cargos e ocupações das instituições burguesas propiciam. A retórica aplicada antes e durante o período eleitoral é mera estratégia de engodo dos trabalhadores e dos explorados de nosso país.

    Abraço.

    Carllos

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  6. Professor Ozaí, o voto nulo não é um caminho. Devemos combater a indéia de voto perdido. Se voatmos em um candidato que não ganha as eleições, ele perde apenas a chance de ocupar o cargo, mas ganha expressividad epolítica.

    Por exemplo, Cristovam Buarque depois de recebr 8% dos votos passou a ter muito mais relevância no cenário político. Ele não foi eleito presidente, mas os votos que recebeu o fortaleceram e permitram que ele fosse um líder no Senado. Então, é muito mais importante esclarecer que o eleitor não precisa deixar de votar no candidato que lhe representa melhor apenas porque ele não tem chances de ganhar. Essa batalha é muito mais importante para o fortalecimento da democracia do que a defesa do voto nula, em minha opinião.

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  7. Professor Ozaí,

    esta sua análise é muito dura e pode até ser justa em certa medida, mas, não concordo que seja o melhor caminho para a história política de um país que na sua maioria ainda nem entendeu o significado da democracia representativa. O campo da política partidária é apenas mais um dos campos sociais em disputa na sociedade. Eu fico preocupado quando supervalorizamos a política partidária, como se este espaço estivesse a todo momento sendo dessacralizado por pessoas obsecadas pelo poder e pelo dinheiro. Acredito que assim como em outras esferas da sociedade é satisfatório encontrarmos na campo político partidário pessoas que estejam ao menos propondo alternativas.

    Um abraço,
    Jonas

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  8. Antonio
    Saudações
    Quanto ao rumo que cada grupo, organização, nucleo, partido, decide tomar, não me cabe opinar. Cada um age segundo sua ideologia, sua consciência, opinião, momento, estratégia, interesses. O que lamento somente é que os setores radicalizados de esquerda e que em momento algum se submetem a logica social democrata sejam incapazes de unificar suas lutas nas questões gerais, tipo a redução da jornada de trabalho para trinta horas, um salário minimo que atenda os ditames da Constituição, investimentos do Estado na Saúde e Educação monitorados pela sociedade civil, seguro desemprego pelo tempo que durar a situação, enfim uma agenda minima de ação e de oposição, sem que cada agrupamento se descaracterize. Todos levando sua luta e organização, mas cerrando fileiras na denuncia da exploração do neo-liberalismo e da demagogia social democrata.
    Particularmente voto nulo e defendo o direito ao voto facultativo.
    Cordialmente
    Pedro

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  9. Desculpa Ozaí, mas quando você se refere á esquerda dessa forma, você está sendo simplista. Por que a esquerda anti-PT vai muito além do PSOL e do PSTU, ou seja, vai muito além das legendas eleitorais. Você critica a esquerda como um todo atribuindo-lhe a pecha de eleitoralista, de limitar sua disputa política ao campo parlamentar mas, para fazer isso, resume a esquerda às legendas eleitorais. Agir dessa forma é deitar a realidade no leito de procusto.

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  10. Não me incomoda tanto a idéia de não se discutir o voto nulo, quando temos alternativas reais aos trabalhadores. Esses partidos de esquerda mais radicais se apresentam como alternativas, porém se submetendo a democracia burguesa pelo fato de que as eleições sejam talvez a forma mais aceita pelos trabalhadores como “democrática”, porém isso não impede que no futuro (no qual a esquerda radical seja realmente de peso) isso deixe de existir; um futuro no qual os trabalhadores deslumbrem uma outra democracia: a operária.

    O que realmente me incomoda e me parece patético é o voto obrigatório.

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