Futebol e política: sou alienado?!

Minha mãe, que aprendeu a ler e escrever por esforço próprio, é politizada. Ela é a prova de que títulos acadêmicos não são parâmetros para a consciência política. Tem muitos doutores e pós-doutores que são analfabetos políticos. Não há uma relação causa-efeito entre grau de escolarização, politização e exercício consciente da cidadania. Isto não impede que muitos dos analfabetos políticos titulados destilem o preconceito social contra os que não tiveram as mesmas oportunidades.*

A dona Margarida estava animada e disposta a conversar sobre o debate entre os presidenciáveis na TV. Fez vários comentários e, diante do meu silêncio, inquiriu: “Você assistiu ao debate?” Imagino que se decepcionou com a resposta. E, arriscando-me a frustrá-la ainda mais, disse que assisti ao jogo São Paulo X Internacional. Ela, num tom sutil crítico, comentou que o futebol deu mais ibope do que o debate. Ela é bem informada!

Sou palmeirense e, claro, torci pelo Internacional; como a minha filha corintiana. Como na política, foi uma aliança natural contra o adversário comum. O Internacional é vermelho e tem origens democráticas. Este poderia ser um bom argumento para mostrar à minha mãe que continuo interessado na política. Ela sabe da minha predileção ideológica. Perguntei, então, se ela decidiu em que votar. Ela respondeu taxativamente que mantém a opção das eleições anteriores. Respeitei e não declarei meu voto. Talvez ela até imagine que continuamos de acordo quanto às preferências políticas. O problema é que o vermelho político desbotou e branqueou. Tornou-se irreconhecível!

Ainda argumentei que ouvi partes do debate no rádio. Também poderia ter argumentado que, ao contrário de 1989, hoje temos internet e o debate, entrevistas, análises, etc., estão disponíveis para acessarmos a qualquer momento. A minha mãe deve ter ficado com a impressão de que me tornei um alienado – embora, provavelmente, ela desconheça o significado da palavra. Afinal, preferi o futebol à política.

Seja por opção ou força do ofício, dificilmente perco um debate eleitoral, especialmente o presidencial. Também assisto, sempre que possível, a programação na campanha eleitoral. Dessa vez, porém, admito que esqueci completamente. Cheguei da UEM quase na hora do futebol e já estava saturado de “debate” sobre o filme que assistimos (O Anjo Azul). Na verdade, saí antes mesmo de terminar o “debate” – se assim podemos denominar a conversa concentrada entre três a quatro, com os demais no papel de ouvintes aparentemente absortos. De qualquer forma, confesso que, ainda que lembrasse, faria a opção por assistir ao jogo. Sinal de alienação?!

Sim, assisti ao debate – com o estímulo da minha querida mãezinha. Ele está disponível na internet – tem alguns trechos no meu canal no youtube. Não vou cansar os leitores com análises – há várias disponíveis na internet e, quem se interessar, também pode assistir ao debate e tirar as próprias conclusões. Quanto a mim, não me arrependo de ter optado pelo futebol – ainda mais com a derrota do São Paulo. Não quero, porém, desmerecer a importância de acompanhar a política. E eventos como estes contribuem para o esclarecimento e a conscientização.

De certa forma, o debate também foi um “jogo”, inclusive com torcidas. Minha mãe, claro, torceu, adorou e aplaudiu a sua candidata. Talvez o debate eleitoral na TV tenha contribuído para que os indecisos superem esta condição. Não é o caso da minha mãe, nem o meu. Ela está bem decidida, eu também. Confesso, porém, que se não estivesse decidido a anular o voto, ficaria indeciso entre o cristão-comunista e o comunista-trotskista. Aliás, senti a ausência dele! É a democracia!


* Aos interessados, sugiro a leitura de “Educação, opção política e preconceito acadêmico”, publicado na REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº 66, novembro de 2006.

6 comentários sobre “Futebol e política: sou alienado?!

  1. Com um debate dentro do previsível, onde só se fala o que os marqueteiros querem, claro que a imprevisibilidade do futebol se torna mais interessante. Não assisti a nenhum dos dois eventos, a leitura que fiz durante este período para mim foi mais frutífera, pois afinal entre ouvir o que já se sabe e não torcer para nenhum dos times, apesar de gostar de futebol, é válido buscar um novo conhecimento.

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  2. Creio que a esquerda não pode mais sustentar a tese de que o “futebol é o ópio do povo” pois temos que colocar o futebol na mesa de discussões e nos programas de politicas públicas, o futebol hoje é a maior commodity do Mundo, e o Brasil seu maior exportador.

    Colocar o futebol em pauta hoje é essencial pois, Com a volta de Eurico Miranda ao cenario do futebol e do parlamento, com a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, mas do que nunca o futebol e outros esportes vão ser usados como mina de dinheiro pra muitos bilhões vindo dos cofres das multinacionais e pra manutenção da hegemonia e controle social da direita nas periferias.

    abraço ozai, danilo georges

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  3. Ozaí,

    Fiz a mesma coisa! Inclusive torcer pelo Internacional. Mas, dessa vez não vou anular meu voto. Fiz isso no passado, quando o “governo dos trabalhadores” decidiu surfar a onda neo-liberal. Votarei em Marina Silva.

    Em tempo 1: de fato, há muitos analfabetos políticos. Mas há, também, uma forte tendência entre os nosos interlocutores para que nos considerem alienados quando não pensamos do mesmo modo que eles pensam.

    Em tempo 2: o debate entre os presidenciáveis se tornou um produto como outro qualquer para consumo na mídia, seja ela televisiva ou não.

    Um abraço,

    Francisco Giovanni Vieira

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  4. É um questionamento importante, Ozaí, mas que necessita da própria reformulação do conceito de alienação. O que é ser alienado hoje? Precisaríamos de tempo e releituras para definir isso de forma coerente.

    Pode ser apenas minha percepção, mas sinto da minha geração (universitários nascidos no final da década de oitenta) extrema apatia com relação à política e eleições. E não é pragmatismo no sentido Gramsciano, pois não são operários preocupados com o que colocar na mesa. São pessoas instruídas e com relativo conhecimento sobre teoria do estado, sociologia e direito. Mesmo assim, agem politicamente (pois é, em última análise, um ato político) pela não abstenção política (ponto para o sistema, conseguiram o que queriam). É uma espécie de niilismo e total aceitação à proposta unívoca do capitalismo cultural.

    Na verdade, estamos perdidos e não enxergamos isso. Nos iludimos com entretenimento barato e imediatista como fuga à realidade política, pois há um sentimento de impotência que assola o jovem hoje. A própria ciência, em crise paradigmática pós-moderna, não consegue oferecer outros caminhos.

    O futebol é apenas mais uma forma de não encararmos os verdadeiros problemas existenciais (não no sentido sartreano de existência em si, mas de existência em sociedade, “coexistenciais”). Não sei se isso é alienação. Em que sentido assistir a um debate o torna mais consciente de sua condição humana?

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  5. Antonio
    Saude
    Desde que optei em anular o voto, não mais acompanho os debates partidários.
    Confesso que não sinto falta em relação ao engajamento anterior em Partidos que se intitulavam de esquerda. Como somos democráticos e plurais, entendemos que política não está só nos Partidos, nas instituições, nos Sindicatos do Estado, nas Associações de Moradores, mas presente em todas nossas ações e relações.
    Democraticamente estaremos difundindo o Voto Nulo, o direito de não comparecer ao pleito, o direito a democracia direta, sem pseudo representantes e mantendo abertamente a reinvindicação de que na urna exista a opção do voto nulo.
    Um abraço
    Pedro

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  6. não assisti nem ouvi nada a respeito se li não me lembro, alienada? então todos estamos. Porque? Muito simples ;estamos indo as urnas só para eleger presidente? Alienada??????. Até parece que ele vai decidir sozinho todas as questões. Alienada???? Na verdade eu penso que ele não decide NADA!!!! Alienada????? Onde estão os outros comparsas de cada um deles?? regionalizados? Porque não divulgados com tanta enfase quanto o individuo que senta no trono e faz de conta? Quem são eles?onde estão? O que fazem? O que fizeram? Ficha limpa? Para alguns mais interessados e, com condições ,é só acessar ou, ir a banca e comprar um bom jornal. Mas e os outros ,e muitossss outros!!! O que fazem? O que sabem? Alienada!!!! Pode ser. Quantas cadeiras existem nesta empresa chamada Brasiliia!!e pensamos que só o rei manda.

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