Sobre a futilidade de se apegar ao futuro!

Estava escrito no muro: “Quem não tem presente se conforma com o futuro”. A frase pode ser interpretada de várias maneiras. Do ponto de vista político, talvez expresse o pragmatismo dos que se prendem ao presente possível. Neste sentido, é uma crítica às ideologias utópicas que almejam o devir da sociedade justa e igualitária. Mas, se a política é a arte de transformar a realidade vigente e almeja o impossível, as palavras têm um significado conformista. Por outro lado, pode expressar a crítica ao escapismo dos que não se permitem viver o presente com a intensidade que a vida permite. São mentes presas nas brumas do futuro e imersas na angústia da incerteza.

Mas não será da condição humana lançar-se com todas as forças ao futuro? O amor, por exemplo, não se contenta com o hoje, mas exige que seja eterno. Juras de amor exigem que se comprometa o futuro, como se este nos pertencesse! De mãos dadas, o casal de idosos atravessa a rua. Outro par observa a cena e pergunta-se se estarão juntos na velhice. Não é suficiente que estejam unidos no presente? Quem poderá garantir que estarão vivos no dia, hora e minutos seguintes? “Que estultice tão grande é fazer planos para o futuro quando não somos senhores nem do dia seguinte! Ó insensatos, que construís projetos para futuros distantes”, escreve Sêneca (p. 136). * Para ele: “Ninguém deveria prometer nada para o futuro. Mesmo aquilo que temos escorrega por nossos dedos; até mesmo o momento presente, em que pensamos estar bem, a sorte nos tira” (Id.).

Se pensarmos bem, é razoável supor que não podemos contar com o dia seguinte. Agimos como se fossemos eternos e esquecemos-nos da nossa condição mortal. Muitos se recusam a pensar na morte. No entanto, ela “está ao nosso lado, mas, como não pensamos nela senão atribuindo-a a outro, a lição concreta de nossa mortalidade que nos é passo a passo ensinada não conserva seu efeito senão enquanto dura a surpresa” (p. 137).

O humano é ávido do futuro e, em sua ânsia de vivê-lo, inquieta-se e angustia-se diante da incerteza. Talvez seja mais lúcido nada esperar do futuro e, simplesmente, viver o presente: “Não deixemos nada para o futuro. Regremos nossas contas com a vida, dia a dia. O principal defeito da vida é que ela não tem nada de completo e acabado, e dia após dia deixamos algo para mais tarde. Aquele que soube a cada dia completar sua vida não tem necessidade do tempo. Ora, a necessidade nasce, assim como o medo do futuro, da sede de porvir que corrói a alma” (Id.).

Como não se prender à inquietação angustiante de projetar o futuro no presente? “De um único modo: não deixando nossa vida depender do futuro, reconduzindo-a sobre ela mesma. Com efeito, só se apóiam no futuro aqueles que estão insatisfeitos com o presente”, afirma Sêneca (Id.). Para o filósofo, “quem tem a esperança do próximo dia como razão de viver, vê o presente lhe escapar de hora em hora. Então entra nele um apetite insaciável acompanhado desse sentimento miserável que torna todas as coisas mais miseráveis: o medo da morte” (p. 138).

Aceitas o presente e não te iludas com o futuro, pois este não te pertence. Se tua mente encontra-se aprisionada no futuro, não viverás o tempo presente como deverias. Às vezes, um erro banal põe fim às ilusões projetadas pela imaginação. Então, tardiamente, percebes que perdeste o presente e o futuro se revela fugaz. Pois, como ensina o filósofo: “Bastante miserável é a alma obcecada pelo futuro, infeliz antes da infelicidade, desejosa de possuir para sempre as coisas que a deleitam. Não terá repouso, e a impaciência de querer saber o futuro lhe fará perder o presente do qual poderia desfrutar. Temer a perda de um bem é o mesmo que perdê-lo” (p. 120).


* As citações são de “Aprendendo a viver”, Sêneca (São Paulo: Martins Fontes, 2008).

14 comentários sobre “Sobre a futilidade de se apegar ao futuro!

  1. Reparo que o passado é somente um conjunto de momentos que se evaporaram no tempo, mas que se mantêm na memória, não apenas por já terem passado, mas porque foram vividos ao máximo… abracei tanta gente, brinquei com tanta gente, partilhei momentos com tanta gente, gente essa que hoje ou não está presente ou o tempo afastou… o presente é totalmente diferente daquele que um dia imaginei e desenhei…. a alma continua insegura…vivendo cada segundo sem querer pensar no próximo….não quero mais idealizar algo que provavelmente pelo caminho se perderá no tempo….prefiro viver cada momento e segundo tendo o que consegui e deixando objectivos e futuros cenários aparecerem com o tempo…. viver o segundo presente, não o torturando com a chegada do segundo seguinte…. viver….somente viver….

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  2. Ozaí,
    Sempre provocador hein? Tenho certeza que você considera os bebês, as crianças, seus alunos, filhos, netos, sua família, os animais, a natureza, razão da sua abnegação, criaturas de grande e transcendental importância.

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  3. “Quem não tem presente se conforma com o futuro” é frase escrita por Raul Seixas, presente na música Vovó Já Dizia. Sêneca é admirável, sempre válido e atual.

    Muito bom seu blog, professor Ozaí. Felicidades!

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  4. Isso me lembra um video, que vi por conta de estar lendo e estudando um pouco sobre budismo: http://vimeo.com/41211482

    O vídeo fala que “a unica coisa que nos magoa é a esperança”.
    Nossa dificuldade em não saber lidar com a impermanência das coisas, no budismo fala-se muito sobre isso, que a causa do sofrimento reside no anseio, na expectativa, sobre as coisas, nesse apego. O apego, nessa forma, é reflexo de um “medo de perder”, é a percepção de que no futuro “pode não estar ali” e a vontade de que aquilo se mantenha.

    O apego ao futuro, como insatisfação com o presente é uma ideia interessante; Existe uma meditação que se baseia numa frase: “Talvez eu morra hoje”. Não é uma frase que tem como intuito desesperar os corações e fazer com que eles busquem ainda mais “presentificar” esse futuro, mas ao contrário, a consciência de que, pela transitoriedade da vida, sofreríamos menos se colocássemos tanta energia, tanta expectativa, tanta esperança nela. Ambas as coisas acontecem… uns se afogam no medo da morte iminente, outros conseguem perceber que “pô, talvez eu morra hoje” e levar a vida com um pouco menos de fixação pelo futuro.

    Acho que o nosso modo de vida, calcada numa ideia de “projeto humano”, que “não-somos” e “viemos a ser” (se percorrermos os caminhos certos), é um modo bastante calcado no futuro. Recentemente tive notícia da morte de duas universitárias, de lugares diferentes, de histórias diferentes, uma ouvi de uma amiga, que conhecia a moça, que morreu num acidente de moto. Outra vi no jornal, também, morreu em um acidente. O noticiário disse da formação da aluna, de suas pretensões após a formatura, de suas perspectivas interrompidas por aquela tragédia, vários depoimentos de familiares reforçavam essa ideia dessa incompletude e de uma certa “injustiça” nessa morte… A minha amiga também. E somos perfeitamente capazes de sentir empatia por isso…

    A escola, a faculdade, a vida profissional (carreira né?). Somos um “projeto”, nascemos “não-sendo” e vamos “não-sendo” ate que os pre-requisitos sejam cumpridos, familiares, educacionais, profissionais… O que acha professor?

    Outro ideia que me vem, é um texto que li, chamado “Futuro Passado”, de Reinhart Koseleck, nesse texto o autor trata sobre duas categorias da forma de pensar humana, a primeira delas é a “experiência” a outra a “expectativa”. Experiência é domínio do passado é a referencia que calcamos no presente para nos preparar para o futuro, a expectativa. Nesse sentido, criamos um “horizonte de expectativa”, baseado no campo de nossas experiências vividas. O autor centra sua análise sobre a constituição daquilo que chamamos de modernidade, e de uma desorganização angustiante sobre o “horizonte de expectativa”, consequência de uma desvalorização da experiência. Isso também consigo perceber um pouco em Baumann, nos “Tempos líquidos”, fala sobre uma vida de incertezas, onde nossas experiências anteriores de nada valem para o que se põe adiante de nós. O conhecimento de uma técnica se renova em um ritmo completamente diferente do nosso, do que podemos esperar, a incerteza crescente sobre o futuro causa uma angustia terrível, pois vem assombrada de um medo da inadequação, de “cair do trem em movimento”, de ficar pra trás, de não dar conta…

    De ser um (projeto) “que não deu certo”, um “perdido”, um “derrotado”.

    E encerro recomendando mais um texto, curtinho, sobre a “Inutilidade da Infância”, de Rubém Alves:

    http://www.rubemalves.com.br/ainutilidadedainfancia.htm

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    • Thiago,

      bom dia.
      Meu sincero muito obrigado por ler e comentar. Suas palavras são muito pertinentes e as sugestões são ótimas. Verei o vídeo e procurarei o texto “Futuro Passado”. Também lerei Rubem Alves, cuja escrita admiro.

      Abraços e tudo de bom

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  5. Algum tempo atrás, em uma discusão sobre as questões ambientais,uma das entrevistadas fora contundente em afirmar que para salvarmos o planeta teríamos que, já naquela época, dez ou mais anos atrás, deixar de produzir. Analisemos agora a situação econômica do planeta, globalmente capitalizado, a atitude dos americanos ao recusarem assinar o protocolo de Quioto, evitando assim que a sagrada propriedade privada seja maculada. O planeta é ou não uma propriedade privada de Deus, assim como o futuro que só a Deus pertence? Será o homem, cego pela luz artificial da ciência materialista, materializada pela urgência em assegurar provisões para o tempo “das vacas magras”(note-se que a preocupação com o futuro vem de longe, desde que o homem se tornou sedentário), capaz de reproduzir em laborátorio toda a magnitude da criação?.Este termo; “O tempo das vacas magras”,é hoje um dito popular,que teve sua origem, segundo o Velho testamento, na passagem que fala da vida de José no Egito, quando interpretou um sonho do Faraó, como sabemos essa passagem perdurou, perpetuou-se até hoje pela carga de sabedoria contida nela, em contrapartida outra passagem Bíblica; a do Sermão da Montanha, que diz justamente para fazer o contrário, não virou sabedoria popular, mas é muito mais sábia que a primeira que tratava de uma situação local, que não traria prejuízos a toda população do planeta. É bom ressaltar também que os americanos são em sua maioria protestantes, e profundos estudiosos das mensagens Bíblicas, deveriam portanto serem praticantes delas também.

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    • Cara Angela,

      boa tarde.
      Obrigado por ler e comentar.
      Achei interessante que as minhas palavras tenham estimulado uma reflexão sobre o futuro ambiental do planeta. Nem de longe pensei em algo tão importante… O foco foi a existência individual e os dilemas que envolvem o tempo presente e o futuro. Quanto à questão ambiental, faço a minha parte, mas sem a ilusão de que depende apenas de mim. O problema maior, a meu ver, fica intocável. A crítica ambientalista deve, a meu ver, fazer ver que o foco da questão ambiental é o modelo econômico capitalista. Sendo bem sincero, o futuro do planete depende menos de mim – enquanto indivíduo – e muito mais das questões econômicas e sociais (sistema político e econômico vigente).

      Obrigado.
      Abraços e tudo de bom,

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      • – “Aqueles que dizem que indivíduos não são capazes de mudar nada estão apenas buscando desculpas”. (Anistia Internacional, 2011)

        Caro Ozaí,

        Ofereço-lhe esta frase de Václav Havel (1936-2011), não para critica-lo. Mas, antes, para, pretensiosamente, lembra-lo de que o que você afirmou acima (sobre o futuro do planeta depender mais do sistema vigente do que de você) não combina com você…hahaha…acertei?

        abraço,

        Áurea

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  6. Antonio
    Bom dia

    Para nós particularmente é fundamental, por princípio, que respeitemos as crenças e convicções dos outros. Não significa essa convicção que não possamos divergir e com isso ter e manifestar opinião em contrário. Nesse especial colocamos a questão proposta que se consubstancia no futuro. Ao se propor atrelar o andar da carruagem a crença no utopismo, ousamos destoar dos que crêem ser isso possível. Somente haverá perspectivas (expectativa) de futuro se realizarmos impreterivelmente mudanças no hoje. O exemplo mais candente, esta na preservação da natureza ou na opção preferencial, já em curso, pela destruição do planeta (pelo menos da maioria das formas de vida que já conhecemos). Queremos dizer com isso que não haverá amanhã sem ações concretas no agora, nesse momento. Inviabilizar o fim da vida no planeta talvez (hipótese) ainda esteja em nossas possibilidades, portanto é inadiável a mudança de rumo e de condutas. Aguardar as tais de condições objetivas é para nós fugir da luta, do compromisso com a mudança, é deixar de denunciar as mazelas e conivências da sociedade de consumo. Deixar para o futuro é para nós renunciar ao agora, ao possível, ao realizável, é se curvar a alienação. Pode não obstante que nos frustremos, que não alcancemos o desejado, mas ao menos, mesmo que amargurados, teremos ciência de que fizemos o que conseguimos discernir.
    Cordialmente
    Pedro
    Caxias do Sul, 18 de novembro de 2012.

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    • Caro Pedro,

      boa tarde.
      Muito obrigado por ler e comentar. Seus comentários sempre são instigantes.
      Sim, concordo plenamente: o futuro se constrói a partir do presente; os que vivem com a cabeça no futuro e descuidam do hoje correm o risco de sacrificar o presente no altar da imaginação futurística, ou seja, de um amanhã que não existe. Há os “exterminadores do futuro” e os que, por “viverem no futuro”, mas se parecem com os “exterminadores do presente”.

      Abraços e ótimo final de semana,

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  7. Caro Ozaí,
    À exemplo de todos, este ‘post’ tem muito significado. E, no meu caso, especial pelas reflexões que faço ultimamente.

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