O que é o amor?

“Não há você sem mim,
eu não existo sem você”
(Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim)

“As águas da torrente, jamais poderão
apagar o amor,
nem os rios afogá-lo”
(Cântico dos cânticos 8, 7)

No século XVIII, um pequeno livro escrito por Goethe, provoca uma febre romântica que se alastrou pela Europa. Os sofrimentos do jovem Werther, escrito na primeira pessoa, é composto por várias cartas enviadas ao narrador, as quais expõem a paixão dilacerante e tempestuosa do jovem Werther por Charlotte, noiva de Albert. A impossibilidade do amor, diante da decisão dela em casar-se, leva o jovem apaixonado a um desenlace trágico: o suicídio. Muitos dos leitores, identificados intensamente com o personagem do célebre escritor alemão, fizeram o mesmo. Uma onda de suicídio sacudiu a Europa e, diante de repercussão tão trágica, alguns governos tentaram a circulação da obra. O livro foi um best-seller, é um clássico da literatura mundial e considerado a obra inaugural do romantismo moderno.

O romantismo, enquanto corrente literária e filosófica, é uma reação à sociedade burguesa, um apelo ao sentimento contra a razão iluminista. Expressa o desencanto com a modernidade. Não obstante, o amor romântico, tão tragicamente expressado pelos sofrimentos do jovem Werther, é uma invenção anterior à publicação da obra de Johann Wolfgang von Goethe. Qual leitor moderno não leu Romeu e Julieta, de Shakespeare – ou pelo menos assistiu alguma peça, filme, etc., inspirado na obra? Recordemos Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, outros casais emblemáticos da mitologia romântica que povoa o imaginário ocidental.

Seria preciso analisar as obras românticas, enquanto representações literárias do amor em determinados contextos históricos, para compreender as sociedades que elas expressam e, ainda, a invenção e evolução do conceito e dos valores que configuram o amor-romântico tal qual o concebemos e o sentimos na atualidade. Então, talvez seja possível compreender o amor do ponto de vista histórico e sociológico.

Este, porém, é um exercício puramente teórico. Quem ama não fica a perguntar-se sobre tais questões, a problematizar racionalmente. Ama-se simplesmente e não há teorias explicativas que dêem conta. Como afirma a música, “sinônimo de amor é amar”. É simples, ama-se e ponto! Como afirma Fernando Pessoa: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”

É extremamente complexo compreender as razões do amor. Por que entre milhares de seres humanos a paixão direciona-se a alguém particular? O que torna esse alguém tão especial? Como explicar que o amor brote entre duas pessoas tão díspares como “Eduardo e Mônica” (Renato Russo)? Por que este sentimento se impõe a despeito das impossibilidades ditadas pela razão? É possível encontrar o equilíbrio necessário entre a razão e a sensibilidade, entre o pensar o amor e senti-lo? E se o amor dilacera a razão ao ponto de submetê-la e a torná-la refém? O fim trágico ditado pela insana paixão, não é, infelizmente, restrito à ficção.

Afinal, o que é o amor? O que é amar? Recordo de um tempo em que a moda era figurinhas com a frase “amar é…” e uma resposta breve. Era uma forma simples e popular de definir o amor e o amar, não tão rebuscada como os poemas dos grandes poetas clássicos. O amor é egoísta, suicida e até há quem admita que ele é assassino (quem já não ouviu a absurda expressão “matar por amor”?!) O amor, porém, também pode ser altruísta e, sobretudo, se expressar de várias formas. O amor está presente nas relações humanas para além dos nossos estereótipos monogâmicos e heterossexuais.

O amor é incondicional, ele brota no ser, tem vida própria e ninguém é capaz de obrigar o outro a amar ou deixar de amar. Daí as dores e sofrimentos dos amores não correspondidos, como os do jovem Werther. E como dói a certeza do amar sem ser amado, ainda que a razão deseje extirpar o mínimo vestígio da presença do amor que se revela impossível! Felizes os que encontram o amor e se encontram no ser amado, ainda que sob as mais difíceis circunstâncias. Sofre quem ama sem ser amado. Mas, se o amor é incondicional, como evitar o sofrimento alheio quando não se compartilham os mesmos sentimentos? Imagino, porém, que os mais infelizes são os incapazes de amar.

O amor é indecifrável, inexplicável. É da ordem do sentir, ainda que a razão tente entender. Poetas, compositores e outros tentam defini-lo em metáforas, poemas… E muitos têm a capacidade de fazer-nos sentir o amor apenas pelas palavras, especialmente quando proferidas como doces melodias que encantam nossos sentidos. O amor, contudo, permanece incógnito, inacessível à razão. No entanto, me encanta a definição bíblica da Primeira Carta aos Coríntios, do apóstolo Paulo:

“O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não se faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo” (1Cor 13, 4-7).

Eis uma definição ideal do amor, entre outras possíveis. O amor humano real, porém, não é tão puro quanto estas palavras expressam. Paulo se refere ao amor caridade. O amor, para além do ideal paulino, pode ser tudo isto, parte disto ou até mesmo o oposto. Afinal, é do humano demasiado humano que se trata e não dos anjos e candidatos à canonização. O amor, portanto, é imperfeito – como é próprio do humano. Não é por acaso que a moral religiosa o condena quando ele escapa às suas amarras. Nada, porém, pode detê-lo. A despeito do medo da condenação e do que dita a razão e a moral convencional, o amor é incontrolável. É difícil defini-lo!

24 comentários sobre “O que é o amor?

  1. Ofra Haza cantando em hebraico a parte do Cântico dos Cânticos da qual você extrai uma das epígrafes. Também inclui:

    “O amor é forte como a morte… Suas brasas são brasas de fogo, fogo das labaredas de Deus”

    Espero que goste.

    Interrrompo a visita por hoje. Muito bacana o blog.

    Saudações
    Ani

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  2. O amor é somente uma palavra que muitas pessoas utilizam para expressar um sentimento ou uma sensação que sente pelo outro. E se este sentimento ou sensação for analisado, na verdade encontraremos a paixão, a atração, o “parasitismo” emocional, a carência, a falta de amor próprio, o medo da solidão, a possessão, etc.

    O amor romântico, puro e real, é raro.

    É importante, seguro e inteligente diferenciar uma coisa de outras.

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  3. As palavras se voltam contra nos nas discussoes as cartas mais sinceras sao usadas para fins de escarnio faz-se humor com que um dia foi amor e os poemas raramente conseguem ser entendidos.a gente pode fazer o que for o melhor gesto a melhor estrategia o plano infalivel. Temos nossas proprias enciclopedias pessoais de carencias e as vezes nao vemos que ha aqui e ali simbologias perfeitas de amor gesticulando em nossas direcoes apontando para nossos rostos como quem diz nao chia amor e pro seu bem. …..Este o nosso destino amor sem conta .distribuido pelas coisas perfidas ou nulas .doacao ilimitada a uma completa ingratidao .e na concha vazia do amor a procura medrosa .paciente de mais e mais amor.

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  4. Acredito no Amor, acrescento ainda que você, Antonio ozaí passa o amor, compartilhando tantas coisas boa que desenvolve nas pessoas o hábito de ler, de amar, pensar, e divulgar idéias livres, sobre o assunto em questão, ainda que muitos acreditem que o amor é contraditorio o que importa mesmo é colocar o que sentimos.

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  5. Bela explanação sobre a realidade do amar… tentamos engaiolar pessoas e seus sentimentos, o que posso dizer por experiência própria é que aquilo que vai no meu coração e no meu pensamento é livre, e no final das contas (para quem acredita) será sempre entre nós e Deus nossa responsabilidade em amar.
    Excelente texto, meu forte abraço a ti!!

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  6. Adorei o post. Também sempre me pergunto o que é o amor… seria interesse, um sentimento recíproco ou absolutamente altruísta? Enfim, um eterno dilema em suas múltiplas facetas.

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  7. “…Se amas sem despertar amor; isto é, se teu amor, enquanto amor, não produz amor recíproco [mas sim ódio], se mediante tua exteriorização de vida como homem [mulher] amante não te convertes a outro amado, teu amor é impotente, um desgraça”(MARK, K. Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844. São Paulo: Abril Cultural [Os pensadores], 1985: 32).

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  8. Liindo texto!! 😀

    Você conseguiu expressar muuito bem o que é o amor (na minha humilde opinião. rs). O amor é um sentimento contraditório “é ter com quem nos mata, lealdade.Tão contrário a si é o mesmo amor.” (monte castelo- Renato Russo).
    E adoorei a sua interpretação da Carta paulina aos coríntios. O amor que Paulo fala é o amor – caridade, o amor Agapé, o amor divino. Os seres humanos por serem tão contraditórios e imperfeitos só poderão ter um sentimento imperfeito e contraditório.

    e como o artigo é sobre amor, Não poderia terminar meu comentário de outra forma!!

    TE AMO PAI ♥ . BJUS 😀

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  9. Amor, amor, amor!
    O amor, como calor que emana das cinzas depois que o fogo da paixão se extingue, não dura mais do que a paixão que se foi. Vai daí, que amor é duradouro? O que se eterniza na saudade!

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  10. Parabéns Ozaí,

    O Amor é o mais lindo dentre todos os sentimentos, porém sem a confiança em si mesmo, não acredito que o amor esteja em evidência.
    Amar alguém é antes de tudo, renunciar , lutar contra seus proprios medos.
    Acredito que o “Amor’, é capaz de mudar o mundo da violência, e tudo o que causa dor e sofrimento no ser. Amar é simplemente viver! sem a preocupação ou medo de não ser especial para alguém.

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  11. Parabéns pelo texto sobre o amor. Como voce, considero Corintios perfeito ao falar de amor. Gosto também do que fala Camões:

    Amor é fogo que arde sem se ver,
    é ferida que dói, e não se sente;
    é um contentamento descontente,
    é dor que desatina sem doer.

    É um não querer mais que bem querer;
    é um andar solitário entre a gente;
    é nunca contentar-se de contente;
    é um cuidar que ganha em se perder.

    É querer estar preso por vontade;
    é servir a quem vence, o vencedor;
    é ter com quem nos mata, lealdade.

    Mas como causar pode seu favor
    nos corações humanos amizade,
    se tão contrário a si é o mesmo Amor?

    Um abraço. Tania.

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  12. Professor, li este livro e concordo quanto ao sentimento que ele desperta, pois acredito que seja quase impossível uma pessoa não ter experimentado a recusa do outro em amar. É um livro triste, mas extremamente “real” aos sentimentos. Li o livro na esperança de uma reviravolta, mas esta não aconteceu, o que nos abala um pouco, pois é difícil na ficção que estamos acostumados a ver no cinema aonde tudo tende a acaber bem.

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  13. É tão estranho refletir ao mesmo tempo que a intensidade desse sentimento, em suas nuances possíveis, consome-me avassaladoramente. A ruptura da experiência cotidiana com aquela que se ama corroi, em demasia, não obstante a insistência do sentimento persista. Essa imperfeição dolorosamente doce e contraditoriamente desejada.

    ‎”O desejo é a busca da fruição daquilo que é desejado, porque o objeto de desejo dá sentido a nossa vida, determina nossos sentimentos e nossas ações. Se, como os animais temos necessidades, somente como humanos temos desejos. Por isto, […] a essência dos seres humanos é desejar. […] Somos seres desejantes mas que não apenas isto, como também desejamos, mas sobretudo desejamos ser desejados…” (Marilena Chaui)

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    • Jose Roberto, em tanta racionalização cabe o amor? Não obstante, o amor é: Admiração, respeiito, confiança e um pouco de desrespeito ….
      Abs

      Eliana Yong

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