Práxis docente e postura pedagógica – Carta aos educandos

Estamos juntos para aprender e ensinar, reciprocamente. Sei que para muitos isto soa estranho; para outros deve parecer demagógico. Compreendo, afinal foge ao script pelo qual fomos ‘programados’ durante estes longos anos como estudantes. Estou convencido de que só aprendemos realmente o que nos interessa. Portanto, recuso-me a forçá-los a aprender o que não querem. Sei que este é um espaço regido por regras formais e burocráticas que pressupõe a competição. É um sistema que prevê a passagem pelo ritual do exame, não exatamente para mostrar que aprenderam ou que sabem, mas para sacralizar o processo competitivo e reafirmar o poder professoral. As notas são o veredicto que unge os vencedores.

Isto me faz lembrar o filme que assisti outro dia: The Paper Chase (em português O homem que eu escolhi). O filme tem como locus um dos templos sagrados da nova religião, a Universidade de Harvard. É sintomático que o foco seja o curso de direito. O inteligente James T. Hart logo percebe a necessidade de ficar em evidência. Ele divide a turma em três setores: os que não falarão – a não ser que sejam inquiridos pelo professor; os que querem falar, mas morrem de medo; e os que fazem questão de falar pois sabem que aparecer é ser percebido, manter-se em destaque. O método socrático do professor favorece os últimos.

O professor instiga os alunos a comentarem, responderem. Suas perguntas são direcionadas, as resposta são apenas ponto de partida para novas perguntas. O objetivo é estimular o aluno a pensar e analisar os fatos. Para quem não assistiu ao filme, esta referência ao método pode passar a falsa impressão de que estamos diante de um mestre inspirado em Paulo Freire ou algo do tipo. Pelo contrário. Estamos diante de um professor que utiliza a maiêutica. Mas o “parteiro’ não é nada sensível; ele arranca com fórceps o ‘saber’ do aluno. Aliás, isto nos estimula a refletir sobre o tão propalado método socrático.*

O rigor metodológico do professor estimula a competição e, devemos reconhecer, tem o efeito positivo de levar o aluno a buscar aprender. Este ‘aprender’ é muito mais uma luta pela sobrevivência no campus e/ou para sacramentar os vitoriosos. Os alunos sabem que o futuro profissional depende das notas. Estamos, portanto, diante de um curso e professor sintonizados com as exigências da sociedade competitiva. Formam-se os melhores, os que serão a elite, o sustentáculo do status quo. Mas deve haver algo muito errado com um método que leva à humilhação e induz os ‘fracassados’ ao suicídio.

Sei que não há metodologia ou concepção pedagógica que agrade a todos. Reconheço os limites, mas insisto em continuar investindo na autonomia dos educandos, em tratá-los como adultos e não como “crianças crescidas” ainda dependentes da autoridade. Sei também que velhos hábitos são difíceis de mudar e que, educados para obedecer as ordens e não questionar a autoridade, há os que não conseguem caminhar sós, que precisam sempre que alguém indique o caminho e o conduza pelas mãos. Os que ainda não conseguem cultivar a liberdade tendem a temê-la ou confundi-la com licenciosidade. Isto se traduz em atitudes práticas, estratégias de sobrevivência. Saibam que sei!

Não penso que o meu papel seja encher cabeças com conteúdos ou depositar o saber em suas mentes. Também não é minha tarefa convencê-los política e ideologicamente. Isto é uma decisão que cabe a cada um. Não quero formar seguidores, nem convencê-los da minha verdade. Neste aspecto, concordo com a afirmação de Max Weber: “A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-lhes suas opiniões políticas pessoais.” Estes princípios orientam a minha práxis docente. Ela se pauta pelo respeito mútuo e a recusa à arrogância – titulada ou não.


* Sugiro a leitura de O julgamento de Sócrates, de I. F. Stone (São Paulo: Companhia de Bolso).

11 comentários sobre “Práxis docente e postura pedagógica – Carta aos educandos

  1. Ozaí, achei excelente a sua lembrança de Max Weber e seu texto como um todo. É uma reflexão que vem a calhar com o que estamos enfrentando na academia atualmente: normas opressoras vindas de “cima”, que refletem em procedimentos internos aos cursos (de qualquer nível) medíocres, autoritários, limitadores do potencial criativo e da autonomia, ferindo a dignidade humana. Precisamos repensar urgentemente a sistemática do nosso ensino pois esses pressupostos acusam, simplesmente pelo que lhes é fundante, de que algo de muito equivocado está acontecendo em nome de um suposto “avanço” da Ciência.

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  2. A Educação como um todo, está totalmente ultrapassada e abandonada. Seria necessária uma mudança de ordem política, social e principalmente pedagógica, para que pudéssemos Construir um novo MODELO, onde o ser como INDIVÍDUO, pudesse expressar seus transtornos, seja de ordem mental, emocional ou financeira, e onde as instituições não usassem como REGRA GERAL de Ensino ou métodos educacionais, um MODELO DEFASADO, creio que primeiro deveria ser avaliado o aluno individualmente, todas a particularidades, bem como traumas, daquele que será aluno. O papel do professor, no meu entender não é o de ensinar o aluno a Pensar, e sim de criar estímulos para que o mesmo PENSE, ANALISE, QUESTIONE E DEBATA. Devemos ser cautelosos e perceber, que ao longo dos tempos, o professor tem passado para seus alunos, informações pre-julgadas, com auto-criticas e percepções particulares, que fizeram do ensino como base de conhecimento, um círculo vicioso. Pense Nisso…

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  3. Ozai. Parabéns pelo magnifico texto.Preciso, esclarecedor,extremamente direto e objetivo com referencia às questões básicas do processo educativo – ensinar, aprender, dialogar e outros mais que integram o processo pedagógico em suas multiplas dimensões.Pena que estas questões que voce levanta, com muita propriedade, não fazem a cabeça dos que comandam a educação em nosso páis, pois alguns deles dispõem de generosos espaços nas grandes midias para nos dizerem que fora das novas tecnologias não há educação de qualidade, afora outros interesses que certamente comandam estas “inovações” que querem nos impingir. Continue assim. GRande abraço.Walter.

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  4. Texto maravilhoso sobre o processo de ensino e aprendizagem. A força moral docente reside em não se entregar aos disparates de um sistema educacional que avalia conteúdos sem o mínimo de significados para os alunos. Ser professor no Brasil exige criticidade, participação e luta. Não pode a classe docente se contentar com o salário abaixo da média de outras profissões – como engenheiros, médicos, advogados etc. Profissionais estes, por sinal, que são instrumentalizados pelo profissional dos profissionais: o professor. Por isso, o incentivo à carreira docente, deixando-a mais atraente, a fim de incentivar mais jovens para a carreira docente, livrando-a de ser um expediente para um dinheiro a mais, o chamado “bico”. Por isso, um professor universitário já falecido, defender que a melhor forma de atingir o coração do sistema não é realizando greve, mas ministrando boas aulas. Professor, assuma sua posição, afinal “você precisa estar no comando” (Brecht).

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  5. Professor é muito bom fazer essa leitura e saber que aprendi um pouco de “você” enquanto aluna e hoje aplico isso nas metodologias de minhas aulas. Mas como essa postura de tratar os alunos como “adultos” se torna sofrida. Não sei se não estão preparados para isso ou se as vezes os próprios professores não os deixam romper essas amarras. Tento fazer a minha parte sempre tentando causar um “despertar”…embora nem sempre seja possível!
    Foi muito bom ler e fazer essa reflexão.

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  6. Concordo com o que escreveu, já fui professora (talvez nunca deixei de ser) e sou aluna. Confirmo a competição e os resultados traduzidos em notas apenas classificatórias.
    O que admiro muito, e isso é adjetivo de poucos professores, é o despertar no aluno o interesse e o desejo de aprender, de questionar, e a certeza de que com esforço e dedicação poderão ao menos lidar com a problemática social e modificarem a sua própria realidade.

    Professores apáticos terão alunos apáticos. Professores frustrados somente decepcionarão seus alunos. Não concordo com a justificativa dos salários baixos e a falta de reconhecimento alegada por muitos professores para a má qualidade na prestação educiacional, isso é demonstração de desrespeito; os profissionais que assim agem, deverão se contentar por exemplo, com cirurgias mal feitas, porque os médicos também ganham muito mal pelos procedimentos que realizam.
    Educação é tão necessária quanto saúde.
    O que a maioria faz ao meu ver, é exatamente reproduzir a mediocridade social.

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  7. Antonio
    Bom dia
    Vêm a calhar teus reclamos no que tange a educação. Nessa semana foram divulgados alguns indicadores nacionais, e nós particularmente do Rio Grande do Sul, ficamos mais uma vez encalhados. Os fatores para os indicadores serem negativos são muitos, mas o principal a nosso ver continua sendo o magérrimo salário, que somente desincentiva os educadores a prosseguir distantes na senda da qualidade do ensino. As Escolas Públicas que tiveram bom desempenho no RS seguem formula diversa, o que a princípio – em tese – nos autoriza a nos conduzir por idéias diferentes dos governantes de plantão. Nas escolas que se opta por ouvir a comunidade, se aceita a participação colaborativa dos pais, onde o Município investe mais dos que os 25% constitucionais em Educação e os Profissionais da Educação tem formação além da graduação os resultados mostram ser alentadores. Obvio que isso tudo não basta, o aluno precisa ter perspectivas sociais mais amplas, ou seja, poder continuar estudando para estar apto a “disputar” um espaço na sociedade. Na real o que temos é exatamente o inverso, primeiro o cidadão – os jovens sobremaneira – tem que adentrar ao mercado de trabalho para se sustentar e em muitos casos apoiar a família financeiramente, visto os salários miseráveis vigentes no Brasil, o que leva a secundar os estudos. Formulas supletivas de ensino até resolvem para a minoria, mas a maioria segue sendo explorada, pois o ensino que tiveram acesso é de baixa qualidade o que os torna reféns da exploração. Os indicadores nacionais seguem sendo assustadores, em termos de repetência, abandono escolar, incapacidade para a leitura, interpretação de textos e execução de cálculos matemáticos os mais simples, idade em desproporção a escolaridade recomendada e muitas outras mazelas. A educação no Brasil continua requerendo investimentos adequados do Estado, a começar pelo respeito ao salário constitucional, investimentos em estrutura para as Escolas Públicas e permanência da criança e do adolescente nos bancos escolares enquanto tiverem necessidade. Agora sem democracia na prática, ou seja, com a participação incidente dos alunos, dos pais e comunidade tudo será vão.

    Pedro
    Caxias do Sul, 19 de agosto de 2012.

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    • Pedro
      A verdadeira educação começa quando o professor entra em sala de aula,esteja ele bem pago ou não,e não quando os governantes decidem por este ou aquele percentual a ser aplicado.Penso que o presente artigo atenta mais para a observancia da conduta/postura que o professor éticamente bem preparado deva ter em sala de aula, pois é ali somente ali que se pode aprender, muitas vezes bem mais que ensinar. Que o sistema educacional, administrado e direcionado por políticas publicas equivocadas e favoritistas desta ou daquela classe, tem problemas a serem corrigidos,é, infelizmente, público e notório,mas, dentre eles, o detalhe quase imperceptível,e crucial para que se estabeleça a diferença nos resultados esperados é sem dúvida, esta postura.

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