Reflexão sobre a práxis docente: aprovar ou reprovar?

Final de semestre, algumas perguntas e comportamentos se repetem. Uma questão sempre presente, é a reprovação por faltas. A organização racional-legal típica da modernidade – como bem assinalou Max Weber – pressupõe normas e regras impessoais e válidas para todos. Quando consideradas de maneira particular geram privilégios e, invariavelmente, injustiças. Dessa forma, convenhamos, a aplicabilidade das regras e normas, independente das especificidades e particularidades individuais é a garantia de que não há favorecimentos ou perseguições. Deve prevalecer o critério da impessoalidade.

O funcionamento burocrático formal, racional-legal, se pretende objetivo. Porém, é de seres humanos que se trata. Dessa forma, a objetividade nem sempre está garantida, pois o humano é um ser também subjetivo e imperfeito. Por exemplo: a norma formal legalmente estatuída limita o número de faltas a 17 – num total de 68 h/a. Sua aplicação objetiva deve considerar apenas a assiduidade. Não obstante, há vários motivos que levam o estudante a se ausentar da sala de aula. Além disso, a mesma norma que regulamenta a vida estudantil limita o direito de faltar por motivo de doença a determinados casos específicos. Atestados que não se encaixam na regra, não são considerados. Mas, por acaso, o indivíduo só adoece nas circunstâncias aceitas pela norma? Nos casos em que o atestado não é considerado para efeito de abono da falta, o docente deve simplesmente seguir a regra? O aluno, a aluna, não tem o direito de ficar doente por um dia, dois…? Só é doença se reconhecida pelo regulamento acadêmico?

Por outro lado, a presença em sala de aula não é garantia de presença real. Quantas vezes, estar presente não significa apenas o cumprimento racional-legal da norma burocrática? O corpo está ali, a lista de presença foi assinada, mas o/a aluno/a encontra-se subjetivamente ausente. Seu pensamento vagueia, ele/a ocupa-se de tudo, menos do processo de ensino-aprendizagem que ocorre à sua volta. O uso do celular e/ou notebook não é uma forma de “desconectar-se” da aula? O acadêmico manifesta sua ausência e desinteresse não apenas concentrando-se na tecnologia disponível, mas também de outras formas como: usar a aula para se ocupar de outra disciplina, assinar a lista de presença e sair da sala, fazer cara de que está prestando à atenção, adotar manifestadamente uma atitude não participativa e não colaborativa, etc. Ou seja, a presença física em sala de aula não significa necessariamente, presença qualificada como estudante. Devemos ainda considerar a atitude de falsificar a assinatura do colega na lista de presença – o qual encontra-se literalmente ausente, mas, como que um milagre, passa a ter presença formal. Quantos não reprovariam se este recurso “milagroso” for identificado?!

Claro, este é um caso abusivo e nada ético. Contudo, para além deste tipo de comportamento, poderíamos nos perguntar: por que reprovar o/a aluno/a por faltas se outros dos seus colegas talvez sejam aprovados apenas porque foram mais eficientes em parecerem de acordo com as exigências burocráticas-legais? Imaginemos a seguinte situação: o professor aplica a prova, o/a aluno/a demonstra que aprendeu o conteúdo programático e tem a nota máxima. No entanto, ele/a superou o limite de faltas permitido. Do ponto de vista burocrático-legal deve ser reprovado. Mas o objetivo da docência não é o aprendizado. O estudante não fez por merecer a aprovação? Afinal, não se aprende apenas em sala de aula. Além do mais, pode acontecer de que o/a aluno/a esteja presente em todas as aulas, mas não aprenda o suficiente para a aprovação. Pode, também, ser o caso em que a não aprendizagem seja resultado do desinteresse do próprio aluno.

Observo que a experiência em foco é a do ensino superior. Portanto, de jovens adultos, conscientes dos direitos e deveres e responsáveis pelos seus atos. Indivíduos que sabem o que fazem, mesmo quando adotam subterfúgios e estratégias de manipulação. Estão, portanto, cientes das possíveis consequências vinculadas aos seus atos e opções. Porém, nem sempre estes jovens adultos demonstram a maturidade que se espera deles/as. Não é raro a tentativa de safar-se, de não assumir a responsabilidade pelo ato e, de uma forma muito peculiar, terceirizar a culpa – quando, por exemplo, não convence o docente a aceitar os seus pedidos e argumentos. Causam a própria reprovação, mas responsabilizam o/a professor/a. Sim, há casos em que talvez ocorra uma certa insensibilidade do docente – a impessoalidade da norma pressupõe isto. De qualquer forma, parece óbvio que a falta é do/a aluno/a. Ele/a agiu conscientemente e, portanto, deve responsabilizar-se pelas consequências dos seus atos. Atribuir a “culpa” a outro, é a comprovação da imaturidade. Por fim, é importante levar em consideração que este/a aluno/a hipotético estuda em uma instituição pública, financiada pela riqueza socialmente produzida, ou seja, impostos arrecadados. Ele/a não paga mensalidade, mas isso não significa que o ensino seja gratuito. A sociedade paga. Esta não é uma abstração, mas a realidade concreta de milhões de indivíduos, inclusive os/as próprios estudantes, que em maior ou menor proporção contribuem para a manutenção das universidades públicas. Mais um motivo para a expectativa de que os/as estudantes sejam academicamente responsáveis. Claro, não apenas eles e elas, mas também nós, os/as docentes.

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