Credo quia absurdum (Creio porque é absurdo)

Fiéis se autoflagelam enquanto rezam em frente a uma imagem de Jesus Cristo na cidade de Angeles, ao norte de Manila (Filipinas), durante ritual que integra as comemorações da Semana Santa (Romeo Ranoco/Reuters)


“Imagine there’s no countries

It isn’t hard to do

Nothing to kill or die for

And no religion too”

(John Lennon)


No tempo em que viajava para fazer o doutorado, assisti a um filme no ônibus. Não recordo o título, nem o final. Dormi antes de acabar. Ficou na memória um diálogo entre os personagens: o índio, que viera à cidade para estudar, é interpelado pelos colegas, os quais ironizam sua crença em divindades vinculadas à natureza. Em resposta, ele questiona a fé deles num homem nascido de uma virgem, morto, ressuscitado e elevado ao céu. Se assim acreditam, que direito têm de zombarem?

Outros crêem que serão arrebatados, isto é, que Jesus voltará à terra e levará os escolhidos, em corpo e alma, para o paraíso. Será o encontro do Senhor com a Sua Igreja, o noivo com a sua noiva. Mas qual será “a” Igreja? Com tantas por aí, cada uma se considerando mais “verdadeira” que a outra, a tarefa do Senhor não será fácil.

Isso me faz lembrar a pregação do bispo na crisma da minha filha. Bem-humorado, perguntou aos presentes, a maioria jovens, com seus pais e mães corujas, quem queria ir para o céu. Todos levantaram a mão e ainda bem que ninguém prestou atenção ao redor! Então, ele disse: “Quem quer ir para o céu, AGORA?” Só alguns, os mais fervorosos ou talvez por não entenderem bem a fala bispal, ergueram os braços. O bispo brincou e continuou o sermão, fundamentado em São Paulo, sobre as tentações da carne e os cuidados para a salvação do espírito. Uma tentativa de controlar o vigor juvenil com os hormônios à flor da pele.

Há quem creia que ao morrer terá várias virgens à sua disposição. Prá quê? O que um corpo morto pode fazer? Ah!, claro, o indivíduo também deve acreditar que subirá aos céus em corpo e alma. Mas sentirá os prazeres da carne? Em todos os credos, do mais primitivo ao moderno, os absurdos acumulam-se. Acredita-se em coisas que até mesmo Deus duvida! Convido o leitor a ver as imagens em http://picasaweb.google.com/antoniozai/ReligioneIrracionalismoEIntolerantia?feat=directlink. Leia as legendas com atenção, observe bem as fisionomias e as atitudes dos fiéis e tire as próprias conclusões.

O perigo é quando o absurdo das crenças se manifesta em formas de intolerância entre elas e contra os que não professam o Credo quia absurdum. Cristãos não se entendem, mulçumanos também não e os judeus têm os seus fundamentalistas. Não obstante, os absurdos são a matéria da fé e fonte das suas vidas.

As manifestações religiosas são uma constante no imaginário das sociedades humanas, desde os povos considerados mais primitivos. Estamos acostumados a pensar em termos monoteístas e desconhecemos a diversidade das divindades e crenças de outros povos, as quais resistem ao passar do tempo. Essa permanência indica que a religião é inerente ao humano?

Somos seres racionais, mas também plenos de desejos e imaginação. O humano é um ser cultural que cria símbolos, referências para a sua caminhada, o seu estar no mundo. Ele, portanto, não se reduz à racionalidade. Necessita da experiência religiosa, ainda que aos incrédulos seja absurdo. Para o crente, não importa o que a razão e a ciência afirmem. Ele acredita, e ponto final!

Admiro as pessoas que têm fé. Maravilham-me ainda mais por acreditarem em absurdos. Elas são o mistério da fé. A frase Credo quia absurdum, atribuída a Tertuliano, expressa bem o significado da crença. Simplesmente acreditam! Não adianta argumentos racionais e fatos comprovados cientificamente. A razão é impotente diante da fé. Por mais que consideremos o credo como “absurdum”, devemos respeitá-lo e tentar compreender. Afinal, é também manifestação da humanidade que nos faz semelhantes. 

11 comentários sobre “Credo quia absurdum (Creio porque é absurdo)

  1. Nosso Criador não quer seus sacrifícios e nem louvores
    leiam, é Jesus dizendo:
    Eu lhes digo que aqui está o que é maior do que o templo.
    Se vocês soubessem o que significam estas palavras: ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios’, não teriam condenado inocentes.
    Mateus 12:6-7

    Não façam sacrifícios e nem correntes nem flagelos pelo nosso Senhor, pois ele já fez isso por nós.
    Nossa obra é crer, e amar o próximo como ele nos amou.

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  2. A fé não necessita de provas.Por isso é fé. Eu creio. Se preciso da razão ou comprovação, não tenho fé.A fé prescinde da religião.Fé é uma relação íntima do indivíduo com Deus.A criatura e seu Criador.O mais é bobagem.Fátima Prestes

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  3. Ozai,Realmente seu texto agitou o conflito entre fé e ciência. Difícil conciliação. Parecem contraditórios os comentários, mas se complementam. Podem ser contrárias as posições, dos que defendem a fé e dos que defendem a ciência, porém não são contraditórias. Os que se dedicam ao conhecimento científico necessitam da crença tal como os que se dedicam a qualquer religião. Muitos cientistas, O grande dilema é que os adeptos de qualquer religião, qualquer crença, defendem os dogmas dessa crença, desse segmento religioso, considerando os diferentes absurdos. O grande dilema é encontrar um consenso entre todas as crenças, pois cada uma defende a sua verdade e, o pior nesse debate, é que no campo da religiosidade não temos como provar nada. Penso que mais feliz nesse dilema, com todas as criticas que podem ser a ele dirigidas, foi Descartes, pai do racionalismo, quando ao duvidar de todo o conhecimento que tinha acumulado, afirmou que a unica coisa da qual não poderia duvidar era sobre a existência de Deus, pois não teria como comprová-la. Ciência é dúvida, não é certeza. A dúvida que sempre moveu o ser humano ao desconhecido e nos propicia chegar ao século XXI, refletindo sobre esse tema, neste meio eletrônico.

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  4. Se fosse só com a religião, mas existem marxistas tão xiitas que não diferenciam-se mais de extremistas religiosos, a mesma coisa de intelectuais, a nossa fé na ciência acaba sendo tão grande, que quando enchemos a boca para criticar Comte e seu positivismo, não percebemos que estamos sendo tão positivista quanto ele, quem disse que a ciência é melhor, a mesma coisa com a religião, não acredito nelas, e acho até uma perda de tempo, mas passei a tolerar. Acho que faz parte do ser humano, apegar-se a algum fato maior para explicar o mundo. Sem perceber estamos fazendo o avanço que Comte pregava na sua primeira lição do curso de filosofia positiva, agora cabe fazer a pergunta, será que acreditar no progresso científico, em seus avanços, e em sua evolução também não nos leva ao irracionalismo? que o diga os mortos de Hiroshima e Nagashaki, ou mesmo aos mortos de todas as nossas guerras, pois uma coisa que eu percebi ao ler um livro sobre história da guerra, é que nossa habilidade de matar nosso semelhante sempre anda junto com avanços científicos.

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  5. Algumas das minhas citações preferidas, escritas por C.S. Lewis:”Se o sistema solar foi criado por uma colisão estelar acidental, então o aparecimento da vida orgânica neste planeta foi também um acidente, e toda a evolução do Homem foi um acidente também. Se é assim, então todos nossos pensamentos atuais são meros acidentes – o subproduto acidental de um movimento de átomos. E isso é verdade para os pensamentos dos materialistas e astrônomos, como para todos nós. Mas se os pensamentos deles – isto é, do Materialismo e da Astronomia – são meros subprodutos acidentais, por que devemos considerá-los verdadeiros? Não vejo razão para acreditarmos que um acidente deva ser capaz de me proporcionar o entendimento sobre todos os outros acidentes. É como esperar que a forma acidental tomada pelo leite esparramado pelo chão, quando você deixa cair a jarra, pudesse explicar como a jarra foi feita e porque ela caiu.”Caro alysson, isso não é uma ameaça, mas sim algo que já comprovei na minha vida e na de muitas pessoas que me cercam ou não. Não posso continuar tentando te explicar o que acontece. Como vc mesmo mencionou, é mistério. É transcendente, só vivendo pra explicar. Ah, sou uma pessoa normal, longe que qualquer tipo de psicose (rs só pra deixar isso bem claro).Conheço muita gente que vivia a criticar Deus e nosso modo de crer nEle. Hoje são parte de nós. Isso é graça de Deus. Ainda bem, né.

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  6. O seu post professor é muito interessante…Mas a fé vai muito mais além do que o senhor mencionou, pois dizer implicitamente que a ciência é antagônica a fé é uma ilusão.Pois para que eu cresse em um tal de Big Bang, logicamente eu teria que ter fé, uma fé diferente, mas não deixa de ser fé. A teoria que afirma que de uma explosão surge a vida é mais fantasioso do que a crença em um criador. Pois como diria Benjamim franklin:”Achar que o mundo não tem um criador é o mesmo que afirmar que um dicionário é o resultado de uma explosão numa tipografia.”

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  7. Olha, é difícil de falar sobre religião. Entendo o ponto de vista ameaçador que me faria ficar aterrorizado, se antes não achasse cômico.”A hora de vocês chegará!”Sabe, certa vez participei de um grupo de jovens que por questionar demais as pessoas que “pregavam” eu fui tirado da sala, mas não antes de ouvir a frase”Ele age assim por que tem pacto!”Isso me marcou por que na ocasião não tive o direito de me defender.Fui até o padre na semana e comentei o fato e ele ficou indignado, inclusive proibindo ao grupo de continuar a se reunir na igreja.Olha, eu não sou uma pessoa que serve de base para se espelhar, mas, eu acho que tanto a ciência ainda não sabe explicar comprovadamente a origem da vida (pelo fato de “quem criou o mundo”), mas por outro lado, ao acreditar que Deus o criou, quem então criou Deus? (e la vem à antropologia… rs).Para mim, a ciência veio até mesmo a contribuir com a religião, ao criticá-la. Na missa, em um determinado momento, o padre fala “eis o mistério da fé!”, algo como dizer que a fé não se testa, somente se acredita e segue.Mas o que seria da vida sem a ciência? Poderia existir a certeza de que a Terra “é azul” ou de que ela “é redonda”?Haveria como descobrir a eletricidade e assim acabar com a escuridão? Na vida e obra do livro de Nietzsche da coleção os pensadores, temos a seguinte frase na p. 7″O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de “transcendente”, de “eterno” e “verdadeiro”, quando os valores não são mais do que algo “humano, demasiado humano”

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  8. Não creio por que simplesmente é absurdo, mas creio porque é sobrenatural, é contagiante, é real em mim. Creio porque sei que o meu Redentor vive, e o seu Espírito santo fala comigo constantemente, me ensinando o que devo dizer, e por onde devo andar. A ciência nunca vai provar o que estou dizendo. A ciência NÃO SENTE, mas nós sentimos. Todos nós sentimos, em algum momento da vida, o toque de Deus, seja numa situação de perigo, seja quando realmente não sabemos nem quem somos. Eu sinto: sinto Deus me tocar, sinto Deus me curar, sinto Deus encher minha vida de uma alegria sem igual, e isso a ciência jamais poderá explicar, porque ela não sente, e aqueles que a fazem ser o que ela é somente buscam uma forma de fugir da angustia que carregam em suas almas, por não saberem responder às questões mais conflituosas de sua existência.Graças a deus eu creio. Creio mesmo, e apesar da sabedoria humana tentar matar a fé que existe em mim, continuo firme, e volto ao estado inicial da minha fé todas as vezes que tenho uma experiência sobrehumana com meu Amado. Ademais, Deus escolheu as coisas loucas desse mundo pra enganar os sábios. alienado, eu? sim, loucamente alienado por uma força que me comove, que me faz nascer de novo a cada dia, e acreditar que amanhã será bem melhor. A ciência nunca explicará isso, por mais que ela tente, com suas letras frias e calculistas.e vocÊs que nunca sentiram algo do que descrevi, a hora de vocês chegará. E isso não é praga não, hein.. rs.. não serão os primeiros a se render.. eU JÁ ME RENDI… GRAÇAS A DEUS..

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  9. Ozai, Freud em o mal estar na cultura (ou mal estar na civilização) reponde mais ou menos o que você aqui relata… Ou seja, crer é um abusrdo…Um absurdo que não há como contestestar.. Quem crê, crê e pronto…Porém, todavia e contudo, Freud contesta a crença irracional, que lhe parece absurda… A mim também… Por isso me sinto livre em dizer que creio, porque não creio nos absurdos…Um abraço e Parabéns! Lindo ensaio. Estou fazendo circular por aí… É um texto que vale ser lido.Maria Newnum

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  10. Ozai: De fato, pra quem nao acredita, as coisas da fe’ sao absurdas. Se pensarmos bem, aquilo em que acreditamos revela mais sobre nos mesmos do que sobre a religiao. Eu conheco uma pessoa que diz que de vez em quando “fala em linguas,” porque comeca a dizer “bla bla bla bla bla bla bla” sem parar, e diz que esta’ sendo contactada por Deus. Provavelmente esta’ tendo um curto-circuito no cerebro, mas estes minutos de “baboseira” lhe fazem bom. Quem sou eu pra dizer que nao e’ um contacto com Deus? Na verdade, todos nos, sem excecao, precisamos acreditar em alguma coisa alem de nos, que nos de sentido a vida, e faca nossos sacrificios e dedicacoes diarios algo de valor. Os que nao creem em Deus, creem na ciencia, ou na arte, ou na politica, ou no dinheiro. O que e’ mais assustador e’ ver pessoas repetindo cerimonias e rituais tao absurdos como o que voce menciona, nas Filipinas. Mas, pensando bem, este sado-masoquismo esta’ bem enraizado na propria cerimonia da Missa catolica…em que os que creem assistem uma mini-versao da morte de Cristo. E depois, tem a questao de “comer” seu corpo. E veja bem que, desta vez, quem inventou esta antropofagia nem sequer fomos nos! Ja’ veio de longe mesmo… so’ que aqui, porque a “antropofagia” e’ metaforica, pode parecer mais elevada. Mas sempre estamos “comendo” o corpo de Cristo e “tomando” seu sangue. Bom fim de semana, Eva

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