O professor tem o direito de doutrinar?!

the-wall-alan-parker-460x250“A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-lhes suas opiniões políticas pessoais.” (Max Weber) [1]

“A palavra “aprender” é diferente de “doutrinar”. Deus nos deu um cérebro, Deus nos deu a liberdade de escolher e aprender é parte desta escolha.” (Mike) [2]

Educar pressupõe influenciar. Ainda que o professor não queira, ele influencia. Esta influência pode ser positiva ou negativa. Devemos, portanto, ter consciência da enorme responsabilidade da docência. Trata-se, essencialmente, de uma relação humana entre subjetividades específicas. Talvez seja mais correto pensarmos em interinfluência. O docente, ainda que não perceba e se imagine o pólo irradiador que manipula os cordões invisíveis da arte de forjar consciências, também é influenciado. O educando não é um ser passivo, autômato. Até mesmo o seu silêncio e rebeldia são formas de reação e interação no processo educativo.

Não obstante, influir é diferente de doutrinar. A interinfluência é própria de humanos em condição dialógica. Dialogar é diferente de polemizar.[3] Isto não significa que o educador seja neutro. O professor tem uma visão de mundo, crenças e valores que constituem o seu ser. Como escreve Paulo Freire: “Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira que eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho.” [4] A fala do professor não é isenta de valores, concepções, preconceitos, crenças, ideologias, etc. O discurso que se afirma imparcial atropela a ética. “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo.”, afirma Freire. [5]

O professor tem o direito de se posicionar. Deve! Seu compromisso com o processo educativo exige uma postura ética diante do aluno. Há momentos em que, inclusive, precisa explicitar o que pensa sobre isto ou aquilo. Isto, porém, não lhe confere o direito de usar a autoridade institucional, ou reconhecida pelos educandos, para fazer proselitismo e impor a sua verdade. O professor não é catequista ou profeta, sua práxis não é sacerdócio nem a sua cadeira o púlpito. O docente não deve agir como o pregador que busca convencer e atrair seguidores. O educando também tem a sua visão de mundo, crenças, valores, posições políticas. Quem garante que estou certo e ele errado? A autoridade do professor e o fato de professar uma ideologia é garantia? Posso discordar das ideias, posturas políticas, etc., mas o meu dever como educador é respeitar e preservar a liberdade do educando pensar diferente.

Etimologicamente, a palavra doutrina se origina do latim doctrina, a qual vem de doceo, ‘ensino’. Assim, originalmente tem o sentido de ensino ou aprendizado. Com o passar do tempo, a palavra perdeu este sentido antigo e “firmou-se cada vez mais como indicador de um conjunto de teorias, noções e princípios, coordenados entre eles organicamente, que constituem o fundamento de uma ciência, de uma filosofia, de uma religião, etc.”.[6]

Influenciar ou doutrinar não é mera questão de ênfase, mas essencialmente de postura pedagógica. Doutrinar é próprio da religião, não cabe no locus do ensino laico. Não é função do docente salvar almas dispostas a construir o paraíso aqui na terra e/ou ganhar prosélitos para a sua verdade ideológica. Há quem se imagine no papel do demiurgo que molda os corações e mentes dos jovens alunos, ou mesmo dos adultos passivos e propensos a seguir os gurus que se oferecem no mercado simbólico das ideologias. Respeito, mas discordo! [7]

 


[1] Citado em QUINTANEIRO, Tania. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 98.

[2] Debate entre Mike e a Becky Fischer no documentário “O Acampamento de Jesus” (Jesus Camp). Ver http://espacoacademico.wordpress.com/2012/09/26/temos-o-direito-de-doutrinar-as-criancas/

[3] Sugiro a leitura de “Vale a pena polemizar?”, disponível em https://antoniozai.wordpress.com/2011/10/15/vale-a-pena-polemizar/

[4] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009, p. 96.

[5] Idem, p. 102.

[6] BINETTI, Saffo Testoni. Doutrina. In: BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992, p. 382.

[7] Ver “Práxis docente e postura pedagógica – Carta aos educandos”, disponível em https://antoniozai.wordpress.com/2012/08/18/praxis-docente-e-postura-pedagogica-carta-aos-educandos/

10 comentários sobre “O professor tem o direito de doutrinar?!

  1. Nada é isento sempre a medida em que um gesto, diálogo e situação ocorre na sala de aula. Acontece a identificação por simpatia ou aversão. O fascínio pelo saber está ligado a condicionante do desejo. Não há doutrinas quando a reflexão vem de modo a fazer a ponte entre a experiência e o conhecimento. O encantamento que leva a perceber a transistoriedade de uma sentença sobre o fato retira a emoção subjetiva quando temos a percepção de que não é o professor, mas suas linguagens – entendida aqui como o instrumental para chegar ao bom senso comum de olhar a tradição e o novo ambos buscando a validade e o quanto é íntegro de verdade e sinceridade a compreensão das ações frente a miopia do momento.

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  2. Antonio
    Bom dia
    Possivelmente a maioria dos profissionais da educação no Brasil, sequer saibam o que é ideologia. Temos milhares de “docentes” sem formação trabalhando em sala de aula. Temos que nos dar por felizes quando tem alguma titulação. Fomos cerceados da gênese humanista e em conseqüência disso por 3 ou 4 dezenas de anos a maioria das escolas não tinha em sua grade, filosofia, sociologia ou psicologia. Nas poucas conversas de pátio com os educadores de meus filhos (Escola Particular), enquanto aguardava a liberação das turmas ao final das aulas, percebi angustiado que rejeitavam totalmente o papel da dúvida quando lhes colocava os limites teóricos de qualquer ciência. ”O argumento fatal foi o de que a criança não estava ainda preparada e colocar questionamentos somente iria atrapalhar”. Observo, pois, inconformado, que a verdade fica sendo que o homem surgiu na África, quando pode muito bem ter evoluído em outros lugares, ou que o surgimento do Universo tem somente duas teorias o criacionismo e Big Bang, ficando a Teoria de Cordas no esquecimento. Perversamente o Estado e as Igrejas sorrateiramente reintroduziram a obrigatoriedade da Religião, como se este fosse um fato neutro e sem maiores conseqüências e já estamos as voltas com nova supressão das humanidades. Enquanto isso na maioria das Escolas Públicas faltam laboratórios, computadores, acessos a WEB, bibliotecas, merenda escolar, sanitários, acessibilidade aos PPDs, salário de conformidade com a lei e muitas outras mazelas que somente retratam o descaso com a educação. Nossa defesa de proposta escolar é pelo ensino racional, laico, universal. Nós temos o atrevimento de lutar embora todas contrariedades por uma educação que nos ajude a pensar e não que nos ensine a obedecer.
    Cordialmente
    Pedro
    Caxias do Sul, 03 de março de 2013.

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  3. O “professor” (na verdade o mais velho, o mais vivido) aprende enquanto ensina. Seu ponto de observação é privilegiado e ele pode ver sua própria adolescência e juventude nos olhos que ele tem à frente. As experiências que estão sendo feitas, as vivências que estão se formando, muitas vezes, têm caraterísticas e situações semelhantes às que vivemos e podemos observá-las de um ângulo (e com uma vivência) que nunca tivemos.

    Devemos gratidão aos meninos por espelharem nossas próprias vivências, expectativas, tensões, escolhas… Passar as experiências e os conhecimentos é uma obrigação moral, um trampo, uma troca. Não há superioridade nisso, há responsabilidade. Tivemos todas as idades anteriores e devemos respeitar cada patamar como igual ao nosso, pelo menos em direitos, como iguais – em diferentes etapas, apenas. Com esse sentimento, podemos ver nós mesmos em cada um, sentir seus sentimentos. Isso é crescer por dentro – e ao mesmo tempo ter mais responsabilidade. Nas suas relações, na percepção de causas e conseqüências, no discernimento do tempo de cada um. As etapas se fazem na vida de acordo com o vivente.

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  4. Também acredito que o professor influencia e é influenciado (de diferentes formas) por seus alunos em toda e qualquer situação. É só o posicionamento do professor que é marcado pelo combate a ilusão (necessária, em alguma medida!) de que alguns conteúdos ou posicionamentos orientam as reflexões das pessoas? Os processos de ensino/aprendizagem ocorrem, de alguma forma, por meio de questionamentos e deslocamentos. A dúvida é uma das estratégias adotadas pelo professor que se empenha e problematiza a maneira como aprende e ensina. Quando a dúvida e a busca por respostas é o que impera nas discussões em sala, parece que as certezas (poucas!) podem aparecer, mas com que funções? Como estratégia de aproximação entre professor e alunos (entendida assim tanto pelo professor como pelos alunos)? Talvez….. Nessa discussão seria necessário, pelo menos, um exemplo de situação analisada.

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    • Karine,

      boa noite.
      Obrigado por ler e comentar.
      Não penso que seja uma questão de estratégia pedagógica, mas sim de postura. Neste caso, o melhor exemplo é a práxis docente. Os educandos são os melhores avaliadores, pois que é sempre difícil conquistar a coerência entre o discurso e a prática.

      Abraços e tudo de bom,

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