Morte e esquecimento!

Em “Os Nomes”, o poeta Manuel Bandeira escreveu:

“Duas vezes se morre:
Primeiro na carne, depois no nome.
A carne desaparece, o nome persiste mas
Esvaziando-se de seu casto conteúdo
– Tantos gestos, palavras, silêncios –
Até que um dia sentimos,
Com uma pancada de espanto (ou de remorso?)
Que o nome querido já não nos soa como os outros”.

Se há uma certeza absoluta, esta é a finitude. Porém, não deixa de ser interessante como a encaramos. Somos conscientes de que chegará a hora final. E, para aumentar a nossa angústia, também sabemos que não é uma hora marcada. Pode ser daqui a um segundo, como pode demorar anos.

Vivemos a fugir do nosso inexorável destino. A religião é uma das principais respostas a este dilema. A recusa a pensar é outra forma de não sofrer. E há quem viva cada segundo como se fosse o último. O consumismo desenfreado, o individualismo extremado e o estilo de vida dos que apenas vivem, como qualquer animal, se revelam estratégias fúteis.

Alguns indivíduos temem mais o esquecimento do que a morte. Permanecemos na memória dos vivos por nossas obras e sentimento dos mais próximos. Mas, por mais que nos amem, a vida continua e tem sua dinâmica própria. Com o tempo, nos relegam a segundo plano. É normal e seria egoísmo esperar que deixem de viver as suas vidas. Nos esquecerão!

E se tivéssemos como registrar a nossa memória e esta pudesse ser codificada e editada para a posteridade? Algo como as biografias e auto-biografias, com a diferença de que um “editor” tem o filme inteiro da nossa vida, sem cortes, em suas mãos. O seu trabalho consiste em selecionar aquilo que as famílias e os mortos desejam. No final, teremos um filme editado, algo como os melhores momentos de uma vida, segundo a vontade declarada do morto e/ou da sua família. Então, os nossos amigos, familiaresetc., serão convidados para uma “sessão de cinema”. Na tela, a nossa vida tal qual gostaríamos de ser lembrados.

No filme “Violação de Privacidade” (The Final Cut), é implantado um chip em cada indivíduo, desde o nascimento. Ele grava o filme da vida, o qual será editado pelo “comedor de pecados”. Caberá a este profissional ser uma espécie de “confessor moderno”, assistindo a tudo que fizemos de mais abjeto na vida e que, para o bem da família e da nossa memória, terá que eliminar da edição final. Como humano não ficará imune ao que ouve e vê e, assim, carregará a nossa culpa em sua consciência. Um detalhe importante: para nos resguardar, ele não terá o implante em sua cabeça.

O recurso tecnológico não nos imunizará da culpa e nem evitará o destino fatal. Quanto ao esquecimento, nada nos garante que o filme da nossa vida seja esquecido em meio aos móveis residenciais. Mas, se você for famoso, talvez seu “filme” se torne objeto de consumo. Como hoje!

Com tudo isso, é admirável como algumas pessoas não percebam a futilidade da sua aparente superioridade. Talvez seja o medo da morte; talvez o medo do esquecimento. Como este sentimento geralmente é acompanhado de arrogância, tudo indica que serão esquecidos.

18 comentários sobre “Morte e esquecimento!

  1. [Neli Klix Freitas] [neliklix@terra.com.br] [neliklix@terra.com.br] [Florianópolis/SC/Brasil] Seu texto é esclarecedor, e insere-se nas reflexões que caracterizam a sociedade escópica de nossos dias.A imagem vale mais do que as palavras,mas trata-se de uma imagem criada pela mídia, pela moda, pela ditadura do corpo perfeito,pelo qual chega-se muitas vezes,à morte.As superficialidades implicam em considerar o que se tem, mais do o que se é.Vínculos com o sagrado,com outros seres humanos, genuínos, permitem o acesso a outras dimensões da existência humana.A morte chega,sem dúvida,embora a morte seja sempre a do outro, não a nossa.Ela nos toca quando atinge nossos seres queridos.Então,paramos para pensar na finitude.Entretanto,mesmo com a morte de um ente querido,os vínculos com o mesmo,e o que foi sentido,experimentado em interação não desaparecem.Ao contrário.Possibilitam a cada um novos investimentos na vida e no viver.A banalidade não encontra espaço nesse ponto de vista, nem a arrogância.O sagrado sim,pois que se vincula à capacidade simbólica do ser humano.Neli Klix Freita19/11/2006 21:42

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  2. [Vivian] [vivetica@hotmail.com] [Campina Grande/Paraíba] Vejo em seu texto, Antonio, a expressão nítida da incerteza posta pela pós modernidade! Este período surge, e com ele uma rapidez dos fenômenos gera um desorientação do sujeito! Nossa identidade se pulverizou, somos o ‘eu’, os ‘outros’, o ‘outros em nós’, o ‘eu nos outros’… Enfim, e tudo isso nos torna esquecidos diante dos grandes marcos postos pela história, se esse período marca uma individualização do sujeito, os movimentos coletivizados perdem sua força, cedendo margem a luta individual de uma subjetividade desconstruída e reconstruída a cada dia! Seu texto, de forma poética, vem a nos alertar aos efeitos desse período, nos demonstrando que até o que pensavamos como certeza (a morte), incerteza é!14/11/2006 18:32

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  3. [Abel Sidney] [abelsidney@uol.com.br] [http://www.portaldaterra.net/abelsidney] [Porto Velho-RO] O interessante, além dos comentários bem pontuados e instigantes do Ozaí, é o cuidado excessivo que se tem ao lidar com a “visão religiosa” do fenômeno morte (tão bem camuflado, negado…) A impressão que se tem é que qualquer olhar que passe pelas vias da “religião” ou “sagrado” é tida como menor e por isso merece reparos/adendos/justificativas antecipadamente… Isto é também um bom tema para pesquisa – do desassombro de se assumir até às últimas conseqüências a “fé religiosa” dos fundamentalistas de todas as vertentes ao receio de ser mal interpretado ao se expor uma opinião qualquer, fundamentada numa visão que perpasse a religião ou as diversas formas de vivência do sagrado… Abraços11/11/2006 05:56

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  4. [Bruno+Franco] [brunofrancorj@gmail.com] [No blog] [Rio+de+Janeiro] O+mais+angustiante+na+chegada+da+%22indesejada+das+gentes%22+%E9+o+desconhecimento+em+rela%E7%E3o+ao+porvir.+Estaria+o+esp%EDrito+fadado+%E0+mesma+finitude+do+corpo+tang%EDvel%3F+Caso+exista+transcend%EAncia+e+vida+al%E9m+do+c%E1rcere+corp%F3reo%2C+n%E3o+sabemos+como+se+dar%E1+tal+experi%EAncia%21%0D%0A%0D%0AAcredito+que+devamos+ser+inesquec%EDveis+enquanto+vivemos%2C+porque+ao+descer+o+pano+no+teatro+da+vida+mergulhamos+no+desconhecido.06/11/2006 14:22

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  5. [joelson] [joelsonbraga@hotmail.com] [São Luís, Maranhão, Brasil] Esse tema é espinhoso.Mas não podemos nos furta a discuti-lo.Porém a pior morte é aquela quando a carne persiste e o nome desaparece(está morto e vivo).05/11/2006 20:45

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  6. [Miguel Jorge] O drama da finitude humana – morte e esquecimento – é sua própria condição. Portanto, a vida exige quantidade/qualidade de vida. A vida exige vida, viver plenamente. É algo positivo, portanto, que o fim – como a serpente que morde o próprio rabo – seja o vir-a-ser do próprio começo que se repete no infinito. Assim minha eternidade está garantida na perpetuação da própria vida, que existe muito antes da palavra e do nome. Mais somos agora seres da palavra e da comunicação, onde a palavra pela palavra aboliu a comunicação, sobrando o espetáculo. Assim entendo o blog como a tentativa de recuperar a fala, não a palavra, de reintroduzir a oralidade nos relacionamentos humanos. O blog é a retomada da comunicação pelo contato humano, como a carta era o papo entre pessoas e suas questões superficias, profundas e intimas. Belo começo e boas falas. Miguel Jorge05/11/2006 08:00

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  7. [Daniele Moura] continuando… adolescentes e adultos – são colocados em locais chamados de “depósitos”, os “defeituosos” como são chamados são enviados para esses locais sem as menores condições de cuidados para eles. Os pais desses “defeituosos” são convencidos a mandar os filhos para lá. Em suma busca-se uma sociedade perfeita, onde os diferentes são completamente marginalizados, ou pior, fazem de tudo para que em plena vida sejam esquecidos.04/11/2006 21:49

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  8. [Daniele Moura] [danielenascimentomoura@yahoo.com.br] [São Pedro da Aldeia Rio de Janeiro] De certa forma esse texto me fez lembrar de uma situação ainda pior do que a morte, a verdadeira exclusão que aumenta a cada dia. Leibrei-me do filme código 46, que de acordo com o resumo mais pr´ximo obtido na internet diz: Código 46 caminha na direção contrária à liberdade sexual. Em um mundo imaginário não muito distante do nosso – alguns anos no futuro – a maior parte da superfície da Terra transformou-se em um deserto devido ao aquecimento global e à destruição da camada de ozônio. A civilização organiza-se nas metrópoles, onde só podem entrar pessoas autorizadas. Do lado de fora (o afuera) moram os excluídos, num grande caos miserável. O código 46 do título do filme é uma rígida lei que impede o sexo entre pessoas com carga genética parecida – muitos indivíduos são gerados em laboratório, de modelos genéticos que variam pouco. Na especialização que estou fazendo nos mostraram uma gravação que passou no canal GNT, gravado escondido na Rússia, onde crianças com deficiencia – e…04/11/2006 21:44

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  9. [Eronildes Manoel] [eron.ms@terra.com.br] Ser ou não ser, essa é que é a questão: Será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna ou tomar armas contra um mar de escolhos e, enfrentando-os, vencer? Morrer — Dormir: Nada mais; e dizer que pelo sono findam as dores, como os mil abalos inerentes à carne — é a conclusão que devemos buscar. Morrer — Dormir. Dormir! Talvez sonhar — eis o problema, pois os sonhos que vieram nesse sono de morte, uma vez livres deste invólucro mortal, fazem cismar. Esse é o motivo que prolonga a desdita desta vida. […] Quem carregará suando o fardo da pesada vida se o medo do que depois da morte —o país ignorado de onde nunca ninguém voltou — não nos turbasse a mente e nos fizesse arcar ccom o mal que temos em vez de voar para esse, que ignoramos? William Shakespeare (Hamlet)04/11/2006 18:47

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  10. [Marisa] [mbarbosa74@itelefonica.com.br] [Araraquara – SP] Oi, Ozaí! Sobre esse tema, sugiro os documentários: 1) Quem Somos Nós? (What The Bleep do we Know?, 2005) Gênero: Documentário Duração: 108 minutos Pais: EUA Ano: 2005 Distribuidora: PlayArte Diretor: Betsy Chasse , Mark Vicente , William Arntz 2) O Segredo (The Secret) Gênero: Documentário Duração: 90 minutos aprox. Ano: 200604/11/2006 17:32

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  11. [Zelmar Antônio Guiotto] [zguiotto@hotmail.com] [Porto Alegre/RS] O texto é provocativo. Abre asas à imaginação, pena que não soluciona a morte, talvez, “ela” seja a solução. O texto fez-me lembrar da nossa Lya Luft: “O amor nos faz famintos de eternidade, e a morte é a porta desse indizível barato”. (Lya Luft. O lado Fatal, Rocco,1988,pg.10).04/11/2006 11:31

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  12. [cizernando chagas] [cizerchagas@yahoo.com] Hoje, infelizmente se vive como se a morte não estivesse a nossa espreita, só esperando o nosso momento, o qual com certeza nào sabemos qual é, infelizmente o ser humano se esquece que este estado fisico é passageiro.Só estamos de passagem ,nada mais.04/11/2006 10:40

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  13. [Wander Sena] [formamkt@uai.com.br] [Divinópolis/MG/Brasil] Ozaí eu gostei muito de suas colocações e também, dos comentários.Ocorre-me que Céticos, ou Religiosos deveríamos compreender a Vida/Morte em primeiro plano, pela perspectiva da Natureza, condição essencial para a Vida e também Morte. Não morreremos se não tivermos tido, no futuro, a chance de viver.04/11/2006 10:10

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  14. [Mariane Alves] [alvesmariane@yahoo.com.br] [desafio7.blogspot.com] [Praia Grande – Sao Paulo] Caro Ozai, me recordei ao ler teu texto do livro 1984 de George Orwell. Privacidade era uma palavra que nao existia. Alias eles naum sabiam que este direito existia. Quanto a questao da morte: Estamos presos neste mundo de insanidades, mas quem garante-nos que iremos para um lugar menos insano quando a morte vier com seu encantador veu nos abracar? Dificil questao. Talvez a morte traga algum significado em si que esta alem das simples concepcoes que fazemos. Violamo-nos todos os dias quando consentimos determinadas situacoes nas quais morremos um pouco…e qual seria a verdadeira morte? Aquela onde nosso corpo material ficaria inerte sobre uma pedra de marmore? De quantas mortes vivemos diariamente? Independente dos pontos de vista religiosos ou ceticos a verdade e uma so: morremos diaria e lentamente e nao nos damos conta do absurdo de coisas que deixamos de fazer por temer uma morte subita e dilacerante.03/11/2006 20:15

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  15. [Renata] Na vida o que esperamos? Sucesso? Realização pessoal? profissional? Educacional? Cultural? FELICIDADE No entanto, buscamos a felicidade quando devíamos estar sendo felizes. A felicidade é o sol que acorda e dorme todo os dias. A felicidade é saber que nos aproximamos cada vez mais da morte, no entanto, esses minutos que passaram foram bem aproveitados. Com um pássaro, com um livro, com um alguém, com um sorriso, com uma flor, ou mesmo sem “com”, mas “em” contato conosco mesmo….isso é, Momentos aproveitados COnosno mesmo….esses deveriam estar sempre associados aos todos os outros.03/11/2006 09:04

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  16. [ligia] alguém gostaria de não morrer,de viver para sempre?pensando bem,como diz um amigo,a morte é uma bênção.por anos não entendí.começo a entender.somente depois que algumas respostas chegaram,não religiosas no sentido usual,mas quase… a vida É.sem fim.02/11/2006 16:58

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  17. [Eva Bueno] [San Antonio, Texas] Ozai: veja tambem o filme japones que foi traduzido como “The After Life.” Muito interessante em conexao com o que voce diz. Naquele filme, as pessoas ficam depois da morte em um lugar onde vao escolher a recordacao com a qual vao passar o resto da eternidade. E’ interessante porque nao tem aspecto religioso no sentido tradicional, e tem uma surpresa/descoberta no fim.02/11/2006 13:58

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