A Política, de Aristóteles

A Política, de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), escrita há mais de dois mil anos, é uma obra atual. Apesar do tempo que nos separa e das transformações radicais pelas quais passaram as sociedades humanas nestes séculos.

A Política, é uma análise sobre o viver em comunidade política, a Pólis . Quem governa e quem é governado? Como escolher os governantes? Quem é cidadão? * Qual a melhor forma de governo? Quais os fatores que levam à degeneração política? Como manter a ordem social diante das diversas classes que compõem a pólis? Qual a finalidade do Estado? As respostas, ilustradas por exemplos, mostra que muitos dos dilemas dos homens e mulheres da Grécia antiga são também os nossos.

A obra tem a marca do tempo-espaço em que viveu o Estagirita.** Todo autor, em menor ou maior grau, também é prisioneiro de seu tempo. Talvez isto explique as posições aristotélicas sobre o papel das mulheres, as restrições à cidadania dos trabalhadores manuais e a sua justificação da escravidão.

Ele fundamenta a argumentação nas “leis da natureza”. Assim, uns nascem para obedecer e outros para comandar; uns para trabalhar e outros para governar; uns para senhores e outros para escravos. “Pertence ao desígnio da natureza”, afirma Aristóteles, “que comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Essa partilha é salutar para o senhor e para o escravo” (p. 2).

O escravo é propriedade da casa e parte do senhor. Ele não se pertence, e, portanto, não pode ser outra coisa senão escravo por natureza, equivalente ao boi da família. E a mulher? Sua condição, diz o Estagirita, difere do escravo. Mas, como este, ela deve se submeter ao senhor. “Em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção”, sentencia (p.13). Escravos e mulheres são considerados inferiores e devem ser submissos. É a lei da natureza: “há homens feitos para a liberdade e outros para a servidão, os quais, tanto por justiça quanto por interesse, convém que sirvam” (p.15).

O macho livre é senhor dos escravos e da sua família. No âmbito doméstico deve reinar como um monarca absoluto. Sua condição de homem livre é o atributo para o exercício da cidadania, da participação no governo civil; cidadão na pólis, déspota no governo doméstico. Ele comanda. *** A virtude da mulher consiste “em vencer a dificuldade de obedecer” e a do escravo em “bem fazer o seu serviço” (p.36).

A família natural é parte do Estado, o qual tem a responsabilidade de educar as crianças e mulheres. A felicidade do Estado depende dessa educação, isto é, de cuidar para que elas sejam virtuosas – no sentido da virtude esperada da mulher. As crianças devem ser educadas enquanto futuros cidadãos, partícipes do governo dos negócios públicos, e senhores de suas mulheres e escravos.

Para bem cumprir sua finalidade, o Estado também deve cuidar da eugenia: o corpo, os casamentos, nascimentos, etc. A saúde do Estado depende da saúde e perfeição dos corpos dos seus cidadãos. O legislador deve preocupar-se com o controle dos corpos. ****

A argumentação do filósofo sobre a mulher, os escravos, a educação e a eugenia encontra adeptos. Há os que concordam com ideia da superioridade natural masculina e de povo sobre os outros. Por outro lado, o poder econômico de uns não resulta em ver os outros como inferiores, como uma nova categoria de “escravos assalariados”? O preconceito e racismo também não se alimentam de ideias fundadas na eugenia? Ou estou equivocado? Aristóteles, em todos os sentidos, permanece atual.

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* “O que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria”, escreve Aristóteles. (p.42). A edição citada aqui é a publicada pela Martins Fontes (São Paulo, 2002).
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Aristóteles nasceu em Estagiros, cidade da Trácia fundada por colonos gregos no lugar onde hoje se situa Stavro, na costa setentrional do mar Egeu. Daí o termo “Estagirita”.
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Mas também deve aprender a obedecer. “Só se aprende começando por obedecer. Assim, pelo próprio serviço sobre as ordens do hiparca, se aprende a comandar a cavalaria.; servindo sob o general e os demais oficiais da infantaria, aprende-se a comandar os diversos graus militares. Existe até uma máxima quanto a isto, que diz que não é possível bem comandar se antes não tiver obedecido. Ora, estes são dois gêneros diferentes de mérito, e é preciso que o bom cidadão adquira ambos, saiba obedecer e esteja em condições de comandar”. O homem-cidadão obedece para aprender a comandar. A relação é com o governo civil. No governo doméstico, seu comando é incontestável”, pois a temperança e a justiça diferem até entre pessoas livres, das quais uma é superior e a outra inferior, por exemplo, entre o homem e a mulher”, escreve Aristóteles (p. 51).
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Para Aristóteles, o legislador “deve imprimir profundamente no espírito de seu povo que o que é muito bom para cada um em particular também o é para o Estado” (p.67). Ele deve “cuidar antes de tudo da boa conformação do corpo dos súditos que deverá criar, cabe-lhe por bem regular os casamentos, determinando a idade e a compleição dos que julgar admissíveis na sociedade conjugal” (p. 70). Aristóteles proporá várias medidas, desde a melhor idade para o casamento (homens e mulheres), a época propícia para o sexo, os cuidados com a gravidez e o parto, limite de filhos e a defesa do aborto, etc. (Ver o Livro II, p. 70-74).

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