A influência do(a) professor(a)

A leitura de Humano, demasiado humano, obra de Friedrich Nietzsche*, me fez pensar sobre a influência que os professores têm sobre os seus alunos. Nem me refiro à influência direta, escancarada e, em alguns casos, descaradamente doutrinária. Não! Penso na influência insinuante, quase imperceptível até mesmo para o professor, cuja origem está na reverência à autoridade (consentida e legitimada na relação); mas também no receio de confrontá-la e/ou no desejo de ser merecedor do seu olhar (atitude complacente e passiva que trai a si mesmo e oculta a vaidade de querer ser percebido pela autoridade). Ao “espírito cativo”, reforçado pela fala e atitude do mestre, parece mais sensato e inteligente resignar-se. Eis um campo fértil para o cultivo da bajulação e a formação de séquitos submissos à personalidade carismática e a autoritária.

Ainda que não queira influir, a autoridade do professor é tamanha que um comentário sobre este ou aquele autor, esta ou aquela obra, pode excluir do rol de possíveis leituras do educando. O professor tem o poder de influenciar o olhar do aluno, direcionando leituras. É dessa forma que eles instilam o “veneno” contra os autores malditos, expulsos do panteão. Claro, nem sempre isto ocorre e o aluno pode resistir. De qualquer forma, é preciso levar em conta o peso que a opinião do professor tem sobre os seus alunos.

Foi assim que introjetei uma relativa desconfiança em relação a autores como Nietzsche, Baudelaire, Walter Benjamin, etc. Não é por acaso que só agora, anos depois de terminada a graduação**, que me aventuro a ler uma obra do filósofo alemão criticado nas hostes marxistas. Com efeito, graduei-me num curso predominantemente marcado pelo ideário marxiano. Reconheço a contribuição deles para a minha formação, especialmente no que diz respeito às leituras marxianas. Por outro lado, o fato de estar vinculado ao movimento social e de ter sido influenciado pelas idéias marxistas a partir da leitura pelo viés da Teologia da Libertação, deixou-me mais simpático e vulnerável a esta influência. Sempre resisti, porém, a aderir, a professar a fé nos guardiões da ortodoxia. Isto me deixou com o espírito livre para outras influências, outros autores e leituras. Para a minha sorte, havia professores que destoavam do doutrinarismo marxista e que foram a contra-influência. São estas diversas influências, entrecruzadas em nossas vidas, que nos formam, que marcam o nosso pensar e agir.

Devo, porém, reconhecer que a experiência da graduação, no curso de Ciências Sociais da Fundação Santo André (SP), contribuiu para desenvolver uma certa hostilidade, nem sempre reconhecida, a autores criticados pelos meus mestres. É o caso de Friedrich Nietzsche. A propósito, cheguei a adquirir o Por que não somos nietzecheanos, publicado pela Editora Ensaio. Não li e acabei presenteando a um amigo. Talvez tenha sido apenas falta de oportunidade – meus caminhos seguiram outros rumos –, mas não deixa de ser interessante a minha recusa em ler até mesmo a crítica a Nietzsche.

A leitura de Nietzsche me fez relembrar estes e outros eventos da minha trajetória. Mas, sobretudo, fortaleceu em mim a percepção do quanto podemos influir, positiva ou negativamente, sobre a vida dos nossos alunos. Se não esquecermos dos exemplos dos nossos professores, e que também fomos alunos, as chances deles e as nossas são maiores.

Sim, é fundamental ler Marx, mas é prudente não tornar-se leitor de um único autor, de uma única obra – e, à maneira religiosa, tomá-lo como profeta e seus escritos como o livro sagrado. Leitores assim são perigosos e, geralmente, propensos à intolerância. Não suportam os “espíritos livres”!


* NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 (349p.).

** RENAUT, Alain et all. Porque não somos nietzscheanos. São Paulo: Ensaio, 1994.

26 comentários sobre “A influência do(a) professor(a)

  1. Excelente reflexão, Ozaí. Penso que a questão do autoritarismo do professor permanece nos dias de hoje. Porém, bem menos. Por vezes, confundem autoridade com autoritarismo. Penso que a disciplina é fundamental, e a interpreto como respeito. Porém, relendo obras de Richard Sennett, principalmente “A corrosão do caráter”, fico com a impressão de que boa parte dos alunos estão completamente sem rumo, e fazem da indisciplina o grande ato de rebeldia. Sem referências, sem valores, sem princípios, sem “ideologias”….principalmente os jovens do ensino médio. Faço abertura para questões, críticas em sala de aula, mas sempre penso na linha tênue que existe entre liberdade e respeito. Ou seja, a questão “do limite”. E numa sociedade capitalista como a nossa….históricamente dependente, atrasada, com uma minoria oriunda dos senhores de Engenho, dos coronéis, de golpes e golpes de estado…Os professores, e principalmente os professores críticos, e críticos heterodoxos…são poucos. Procurar sempre não doutrinar e ao mesmo tempo não relativizar…mostrar que existe o certo e o errado, o justo e o injusto, e provocar a construção de críticas independentes….Penso que nessa linha tênue e permanente corda bamba, se coloca a condição do professor neste capitalismo tardio.

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  2. Prezado Senhor, Professor Ozaí estou tomado de uma satisfação instantânea. Com efeito, penso que o Sr. é o autor do Livro “história das tendência do PT ” que me causou tamanha influência. assim solicito uma confirmação de V. Sas., sobre a autoria desta brochura que tenho até hoje. o volume me impessionou pela análise correta da histporia dos trabalhadores sem tomar posição.
    assim , solicito se o livro é de sua autoria porque o li há mais de 20 anos e quando vi seu nome na web não me contive em saciar minha curiosidade.

    sem mais para o momento saudações cordiais.

    ah. ps. me agrada o fato de V. Sas., ter optado pela filosofia que é uma área de minha simpatia.

    ANTONIO ZENIVALDO COELHO

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  3. Que bom não se sentir sozinho! Tive experiências parecidas com as que narra, porém em ambientes bem “opostos” – o que me levou a adotar uma postura pedagógica como a que sugeres. Parabéns pela reflexão.

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  4. Caro Professor,

    A leitura do texto “A influência do professor” me transportou à minha Faculdade, um lugar aprazível, muito bonito. Na época, me recordo quantas vezes eu desejava, ao invés de estar participando dos embates calorosos da turma discutindo as idéias de Karl Max, estar deitada em baixo de uma das árvores frondosas que embelezavam aquele espaço acadêmico. Realmente, hoje percebo o quanto meus mestres tinham uma especial tendência pelas idéias do nosso Marx. Muitos de meus colegas se tornaram marxistas ferrenhos, hoje recordo com saudades. Émile Durkheim não tinha muitos adeptos a preferência realmente era Marx e suas idéias revolucionárias. Parece que a lição da neutralidade e objetividade, não foi muito bem assimilada pelos nossos queridos mestres.
    Muitas e muitas vezes já estive refletindo sobre essa influência. Importante seria uma influência consciente, tendo como objetivo preparar nossos jovens para se tornarem cidadãos reflexivos e críticos.

    Abraço,

    Martha Bispo

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    • Cara Martha,

      muito obrigado.
      Não existe, a meu ver, neutralidade. E a “objetividade” sempre está minada pela “subjetividade”. Todos temos “tendência” por alguma coisa; ninguém é neutro plenamente. O problema não é os nossos professores serem positivistas ou marxistas, quem sabe weberianos. É, inclusive, um direito deles. A questão está em como nos relacionamos com os nossos alunos e colegas, respeitando as posições e ideologias diferentes e sabedores do poder de influência inerente a estas relações. Preparar cidadãos reflexivos pressupõe, inclusive, não esconder dos nossos alunos o que pensamos – o que é diferente de tentar impor – e estar abertos para os vários caminhos possíveis… É o que penso…

      abraços e tudo de bom,

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  5. Prezado Professor Ozai, cumprimentando o colega de profissão, devo registrar que o seu artigo “A influência do(a) Professor(a)é pertinente. O conteúdo do artigo explicita uma realidade vivenciada pelas gerações de Professores-Alunos e Alunos-Professores dos anos de ditadura e pós ditadura militar. Na época aluno, hoje professor, sou testemunha viva do que significa ensinar e aprender junto as classes sociais excluidas, baixa, média e alta do Brasil.
    Isto posto, devo dizer que fui influenciado profundamente por uma professora que me ensinou a “ler o mundo antes de ler a palvra”. Que influência salutar. Está em vigor até hoje!! Melhor patrimônio ou riqueza não podia ser oportunizada a um menino nordestino filho de camponês desalojado por barragens, que somente conheceu a vida escolar aos 13 anos de idade.
    Na Faculdade de Filosofia, outro grande momento de influência salutar. Alí, a época em Ribeirão Preto, não devo dizer que tive Professores, tive educadores. Estes não professaram verdades, educaram mostrando o caminho, as trajetórias, as vidas e as obras dos pensadores diversos, era o tempo do livre conhecer, do livre pensar, para um agir transformador.
    É evidente que em todo esse processo inexistia neutralidade. Lá o estímulo era conhecer o pensamento de todos e optar por o que tem de bom em todos os pensadores.
    Hoje como educador e homem do meu tempo, mostro caminhos!
    Adão Costa Silva, ainda não é mestre em educação, vive na Amazônia.

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  6. Texto ideal para que todos possam refletir sobre o relacionamento professor-aluno e para que possamos evitar um condicionamento para determinadas leituras que levam a um único pensamento ou filosofia. Quanto mais formas de pensar conhecemos, melhor para sabermos definir nossas opoções e caminhos.

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  7. Caro Ozaí,
    Partilho de todas as suas idéias neste texto. Só sugiro que dê um distanciamento de sua experiência pessoal em textos desta natureza. Pensava em passar o texto para meus alunos do Programa Especial de Formação de Professores para a Educação Profissional e Tecnológica, que são adultos, profissionais, com vasta experiência e querendo entrar para o campo do magistério. Todavia, o caráter muito personalista inviabilizou este meu propósito. Eu, como você, vivemos este processo, mas para ajudar aos outros, muitas vezes precisamos sair do eu vivi…É só uma sugestão. OK! Adorei o texto!

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    • Cara Maria,

      muito obrigado.
      Grato também por sua sugestão, a qual compreendo e concordo. Porém, o meu estilo “personalista” visa conversar, dialogar, com os leitores a partir da minha experiência. Penso ser mais verdadeiro ao escrever dessa forma, do que me restringir a abstrações e generalizações. Diria, portanto, que não se trata de ser “personalista”, mas sim de estabelecer pontes com os leitores. Como diria Dostoiévski, é mais fácil amarmos o “homem universal”, isto é, a abstração “homem”, do que o homem real, único, peculiar. Mas, claro, levarei seu comentário em consideração.

      Muito obrigado.

      abraços e tudo de bom,

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  8. Professor Ozai,
    Todos nós, no decorrer da nossa formação e até hoje, fomos e ainda somos vítimas do doutrinarismo que permeou e ainda permeia nosso pensamento. Por isso, acho importante renovar sempre a nossa visão sobre as diversas correntes teóricas e ideológicas que formaram e ainda formam o pensamemto contemporâneo, como, por exemplo: cristianismo, cartesianismo, iluminismo, positivismo, liberalismo (clássico e globalizado), marxismo, pós-modernismo etc. Antes de criticar, é indispensável entender a idéia básica inovadora e revolucionária que deu origem a cada uma destas correntes, na época em que surgiram, a fim de perceber melhor suas limitações e suas distorções no contexto contemporâneo.

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  9. Caro Ozaí
    Precisamos U R G E N T E M E N T E de uma lista de discussão.
    Penso que você pode organizar isso.
    Abraço
    Vladimir D. Micheletti
    UFAL
    Maceió, Alagoas.

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    • Caro,

      muito obrigado.
      Compreendo e respeito sua posição. Mas, sinceramente, não tenho mais paciência com estas listas. Os blogs e outras coisas que faço já me dão trabalho mais do que suficiente.

      Valeu pela sugestão.

      abraços e tudo de bom,

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  10. Olá Professor Ozaí

    Sempre sensato e muito criativo.
    Seus textos são leituras para refletirmos vários e vários momentos dentro das nossas práticas pedagógicas. Nossa profissão deveria tornar-se marco conscientizador do papel que desempenhamos perante todos os alunos marcando-os totalmente;tenho esperança que seja no sentido sempre positivo.

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  11. Antonio
    Bem estar e liberdade.
    Licenciado em Filosofia ha 25 anos, confesso que não li Nietzsche. O problema não esteve nos preclaros professores que ministraram o curso junto a Universidade de Caxias do Sul, e sim na mediocridade do aluno. Pode até que tenha faltado estimulo de parte dos mestres, mas ainda acho que a responsabilidade foi e é do aluno. Quanto a questão da doutrina única, do manual, das leis históricas, do cientificismo das ideologias, de fato reduzem o aprendizado a decorreba. O saber e o aprendizado se dão nas trocas, na pesquisa, na leitura variada e diversificada. Julio de Castilhos, positivista, por excelência, pessoa culta e de larga visão tinha em sua maioria livros de leitura única em sua Biblioteca. Porto Alegre, seu inimigo, cidadão de formação liberal além de vasta Biblioteca era e foi eclético, tinha em suas estantes livros de todas as matrizes. Embora o fascinio que Julio ainda exerça no RS, tendo gestado Borges e Getulio, entre outros, fico imodestamente com a visão do liberal. Todas as leituras são possíveis e necessárias para destruição do pensamento unilateral.
    Um forte abraço e obrigado por trazer a tona tão interessante debate.
    Cordialmente
    Pedro

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    • Pedro,

      muito obrigado.
      Sim, concordo que o aluno tem responsabilidade nesta relação. Porém, a influencia da autoridade professoral é muito forte e este é um fator que as vezes se sobrepõe.

      abraços e tudo de bom,

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    • descuupe minhas cinseras palavras, mas discordo de voce, uma vez que no processo ensino – aprendizagem, há sim um carater interativo, ´porém quem foi instruido ou necesssariamente tem quer ser instruido para desenvolver este aspecto é o professsor. Então vejamos o professor que durante quatro anos ocupou uma cadeira na universidade e ainda tem o pensamento que o aluno é responsavel integral por sua formação, e agora para que servem os professorres?

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  12. Belo texto, Professor.
    O mais interessante é que na maioria das vezes não percebemos quão grande é a influência do professor na nossa graduação.É algo que está tão interiorizado que eu mesma só parei para refletir sobre o assunto depois de ler o que você escreveu!

    Abraços

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    • Cibelle,

      muito obrigado.
      Há muitas coisas, atitudes, idéias, etc., que se tornam hábitos, quase que naturais. Ou seja, em geral não paramos para refletir sobre as coisas mais simples e cotidianas. E é neste que interiorizamos e reproduzimos…

      abraços e tudo de bom,

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